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Em sua nova dobra, financeirizada e neoliberal, os golpes do capitalismo incidem na própria vida, sua potência de ação criadora. Mas em face disso, irrompe outra modalidade de resistência

Um ensaio de Suely Rolnik* | Imagem: George Grosz, Eclipse, 1926 (detalhe)

[Título original: A nova modalidade de golpe de Estado: um seriado em três temporadas]

Uma paisagem sinistra instaurou-se no planeta com a tomada de poder mundial pelo regime capitalista em sua nova dobra – financeirizada e neoliberal –, poder que leva seu projeto colonial às últimas consequências, sua realização globalitária. Junto com este fenômeno, um outro, simultâneo, também contribui para o ar tóxico da presente paisagem: a ascensão ao poder de forças conservadoras por toda parte, cujo teor de violência e barbárie nos lembra, para ficarmos apenas no século XX, os anos 1930 que antecederam a segunda guerra mundial e os anos mais recentes de regimes ditatoriais, os quais foram se dissolvendo ao longo dos anos 1980 (é o caso, por exemplo, dos regimes militares da América do Sul e o governo totalitário da União Soviética). Como se tais forças jamais tivessem desparecido de fato, mas apenas feito um recuo estratégico temporário à espreita de condições favoráveis para sua volta triunfal.

Neoliberais e “neo”(?)conservadores unidos! Como assim?

À primeira vista, a simultaneidade entre estes dois fenômenos nos parece paradoxal: são sintomas de forças reativas radicalmente distintos, assim como são distintos seus tempos históricos. Além das diferenças mais óbvias que consistem no transnacionalismo de umas e no nacionalismo das outras, o alto grau de complexidade, flexibilidade, sofisticação e refinamento perverso, próprio do modo de existência neoliberal e suas estratégias de poder está a anos luz do arcaísmo tacanho e da rigidez das forças abrutalhadas deste neoconservadorismo – cujo prefixo “neo” só faz sentido porque articula-se com condições históricas distintas das anteriores. Se o convívio entre estes dois regimes de poder turva nossa compreensão, passada a perplexidade inicial, vai se tornando evidente que o capitalismo financeirizado precisa destas subjetividades rudes temporariamente no poder. São como seus capangas que se incumbirão do trabalho sujo imprescindível para a instalação de um Estado neoliberal: destruir todas as conquistas democráticas e republicanas, dissolver seu imaginário e erradicar da cena seus protagonistas – entre os quais, prioritariamente, as esquerdas em todos os seus matizes.

Uma coincidência de interesses de neoconservadores e neoliberais em relação a este objetivo específico permite sua aliança temporária. A torpe subjetividade destes (neo)conservadores é arraigadamente classista e racista, para não dizer colonial e escravocrata, o que os leva a querer cumprir este papel, sem qualquer barreira ética e numa velocidade vertiginosa. Quando nem bem nos damos conta de uma de suas tacadas, uma outra já está em vias de acontecer, geralmente decidida pelo congresso na calada da noite. Além disso, colabora para seu interesse nesta tarefa o fato desta ser muito bem remunerada pelo poder executivo. Este lhes oferece em troca avultosas somas de dinheiro para realizar projetos absurdos em suas regiões de origem e, com isso, ampliar seu apoio local. Instaura-se um campo de negociação entre Congresso e Executivo, no qual os deputados, em posição vantajosa, podem chantagear à vontade, exigindo mais e mais dinheiro para cumprir sua função de capangas. O exercício desta missão lhes proporciona um gozo narcísico perverso, a tal ponto inescrupuloso, que chega a ser obsceno. A esse gozo acrescenta-se a patética exposição de sua vaidade por terem de volta o poder em suas mãos, o que alimenta sua autoimagem de machos valentões que eles exibem como se trouxessem na lapela arcaicos e ridículos brasões. Mal sabem eles que com seu trabalho sujo, prepara-se o terreno para o livre fluxo do capital transnacional, cujos líderes, globais e locais, são os verdadeiros senhores do poder e que os eliminarão de cena tão logo se tornem desnecessários. É neste cenário que se dá o novo tipo de golpe, criado pela atual versão do capitalismo: um seriado que se desenrola em três temporadas.

Embora o roteiro do seriado que será aqui apresentado se baseie em sua versão brasileira, este é muito semelhante em suas versões na maioria dos países da América Latina (tendo sido a primeira no Paraguai em 2012). Ele traz igualmente elementos para abordá-lo em suas demais versões no resto do planeta, como na Espanha, na Polônia, na Hungria, na Áustria e na Rússia. Com variações de nuances para adaptar-se aos diferentes contextos, a estratégia do novo tipo de golpe de Estado tende a ser a mesma.

Roteiro do seriado

Na primeira temporada (que no Brasil tem início em 2005 com o “Mensalão”), se estabelece uma aliança entre, de um lado, os poderes Legislativo, Judiciário e Policial e, de outro, o empresariado nacional – mais direta a ativamente os grupos que detém o poder da mídia. A política e o direito encontram-se plenamente integrados (o que, aliás, não é novo no Brasil). Os juízes envolvidos na operação do golpe manipulam despudoradamente as regras constitucionais existentes – ou até as mudam se necessário –, em favor dos interesses políticos no poder, os quais eles não só compartilham, mas tem em sua defesa um papel central. São condenados à prisão acusados sem prova concreta (como é o caso de Lula), enquanto são considerados inocentes ou punidos com penas bem mais leves, acusados com base em provas escandalosas. Não há possibilidade alguma de prever as sentenças segundo as regras da justiça democrática, próprias de um Estado de direito; apenas consegue-se identificar os interesses políticos que as conduzem, e mesmo assim sem saber ao certo quais serão suas estratégias para justificá-las.

Sustentados por esta aliança e ocupando a maioria no Congresso Nacional, os capangas do capitalismo financeirizado dão o golpe que expulsa do governo seus líderes mais à esquerda. Usa-se para demonizá-los não só denúncias de corrupção não comprovada (é o caso de Lula), mas também sua suposta responsabilidade pela crise econômica do país, que na verdade é apenas um sintoma local da crise mundial (é o caso de Dilma). Mas o seriado do golpe não se encerra com a condenação de vários líderes do PT e do processo de destruição do imaginário democrático, culminando no episódio do impeachmentde Dilma (agosto de 2106). Uma vez concluído este primeiro trabalho sujo e já parcialmente destruído este imaginário, tem início sua segunda temporada. Embora outros elementos venham a ter o papel de réus ao longo do seriado do golpe, o personagem demonizado continuará paralelamente a ser protagonizado pelos líderes de esquerda – principalmente os do Partido dos Trabalhadores, tendo sempre Lula como foco privilegiado. Sua demonização atravessará todos os episódios até o final da segunda temporada do seriado, quando se consumará a farsa da condenação de Lula e sua consequente exclusão do processo eleitoral para presidência da República.

Segunda Temporada

Na segunda temporada do seriado do golpe, o foco será o indispensável desmonte da Constituição. Para prepará-lo micropoliticamente o script se concentrará em tornar bem mais aterrorizador o fantasma da crise econômica, assim como intensificar a desqualificação do imaginário progressista, já parcialmente conquistada na primeira temporada. O desmonte da constituição se dará por meio de um novo conjunto de trabalhos sujos a serem realizados pelos capangas. O primeiro será o bloqueio de gastos públicos: a Proposta de Emenda à Constituição, assim chamada a “PEC do fim do mundo”, promulgada em dezembro de 2016, congela os gastos públicos por vinte anos sob o argumento da crise econômica. Tal bloqueio incide nos subsídios para o desenvolvimento e nas verbas destinadas aos programas sociais, sobretudo à educação e à saúde. Além de desmontar leis promulgadas durante os governos petistas que ampliaram o acesso à educação e à saúde de qualidade para a maioria da população, o golpe desmontará igualmente a universidade pública, por meio de cortes de verbas de educação e pesquisa. O segundo trabalho sujo consistirá na indecente reforma laboral, que inclusive incidirá na educação ao atingir as universidades privadas (imediatamente após a promulgação da mudança de tais leis, várias destas universidades demitiram em massa seus professores, os substituindo por professores com salários miseráveis e sem direitos trabalhistas). O terceiro consistirá nas indecentes reformas do seguro social e da previdência e o quarto, na privatização dos bens e empresas estatais mais rentáveis, ou que serão tornadas rentáveis por meio de arranjos espúrios, de modo a ampliar a lista das privatizáveis cult. E quando os tais capatazes não conseguirem a maioria do Congresso para votar alguma ementa ou lei necessária a tal desmonte, condição para que o poder executivo possa efetivá-lo, entrarão rapidamente em cena as agências que detém as maiores bases mundiais de indicadores financeiros, as quais lideram a avaliação do mercado global de capitais e, portanto, a classificação de risco para os investimentos (como Standard & Poor’s e Moody’s Corporation). Sua operação consiste em rebaixar as notas da economia brasileira ou ameaçar fazê-lo, o que oferece poderosa munição para que as mudanças de políticas públicas que ainda sofrem alguma resistência no próprio Congresso sejam enfim votadas, sob ameaça de falência do país (é o que está em curso no Brasil em relação à previdência e que já ocorreu na Europa, com Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha, que receberam o eloquente acrônimo: “PIGS”). E o Estado de direito irá tendo assim rapidamente destruídos os elementos de “res pública” ou de democracia social que o caracterizaram em sua arquitetura moderna (a qual, no Brasil, assim como em vários países do continente sul americano, começava apenas a instalar-se com os governos progressistas pós-ditaduras, justamente os alvos do novo golpe). O intuito é transformá-lo, no final do seriado, em Estado neoliberal, cuja função é estritamente focada naquilo que interessa ao capitalismo transnacional e seus cúmplices das elites locais: facilitar ao máximo a circulação de seus investimentos de modo a criar condições ideais para a multiplicação do capital investido e o mais velozmente possível.

Enquanto se desenrolam estas novas operações, os próprios capangas do capitalismo globalitário serão os próximos alvos das denúncias de corrupção, preparando-se o terreno para sua ejeção tão logo sua tarefa esteja concluída. Na última temporada do seriado do golpe, o novo regime jogará estes conservadores no lixo da história, sem o menor constrangimento. Esta é uma primeira diferença em relação aos golpes de Estado que se utilizaram do exército: embora estes tenham sido igualmente executados pelos conservadores (no caso, militares) e sob o comando dos poderes hegemônicos do capitalismo em sua dobra anterior (na época, principalmente em mãos dos Estados Unidos), naquele contexto o regime precisava de um Estado totalitário e, para isso, tinha que manter os conservadores no poder após o golpe e por um longo período.

Paralelamente, ainda nesta segunda temporada, enquanto se introduz na narrativa oficial as denúncias de corrupção contra os políticos capangas, o mesmo se faz com o empresariado nacional, incluindo os altos executivos. Poupa-se nesta operação os bancos, parcela do empresariado ligada ao capital financeirizado e que inclusive, neste mesmo momento, tem perdoada parcela significativa de suas dívidas com o governo. Visa-se sobretudo as grandes empreiteiras que, organizadas em cartéis, monopolizam a construção de obras públicas, não só no Brasil, mas também em países aliados dos recém depostos governos progressistas, sobretudo nos continentes latinoamericano e africano que constituem mercados promissores. A permanência em cena desta parcela do empresariado apenas interessa aos líderes do capitalismo globalitário enquanto precisem de sua cumplicidade não só para a destruição do imaginário de esquerda – e da defesa das leis democráticas que este sustenta –, mas também para trazer dados que, selecionados, respaldem e reforcem a ideia de que estamos diante de um eminente colapso econômico. Com este apoio, criam-se condições favoráveis para as privatizações e o extermínio de tais leis, principalmente as que concernem o trabalho. No que concerne o trabalho, no Brasil, isto não se limitará à sua precarização, mas chegará ao cúmulo de legalizar condições aviltantes até então consideradas pela Constituição como definidoras do trabalho escravo e passíveis de punição. Que se diga de passagem: a decisão de legalizá-lo confirma que tais condições persistem até hoje e não só nas zonas rurais; basta mencionar o tratamento dado aos imigrantes ilegais na indústria da moda. O objetivo de apressar-se a introduzir empresários e altos executivos como novos personagens vilões do seriado é preparar o terreno para tirá-los do comando, principalmente das obras públicas, assim que o direito às privatizações estiver instituído.

Com esta dupla ejeção – de políticos e empresários – e já tendo se instaurado no país uma grave crise institucional e econômica, acentuada pela paralisia das obras públicas resultante das prisões das figuras chaves do empresariado nacional que as comandavam, o terreno estará totalmente pronto para a chegada dos investimentos sem entraves do capital transnacional. Nesta segunda temporada do seriado, entre os dispositivos do golpe são particularmente importantes as cenas do ringue entre distintas máfias de políticos sórdidos, assim como entre eles e as máfias do elegante empresariado. “Premiados” por suas delações, eles se destroem mutuamente diante da sociedade que, noite após noite, assiste perplexa ao espetáculo grotesco da derrocada de ambos nas telas da TV. A esse espetáculo se tem acesso igualmente pelas redes sociais que se pode consultar a qualquer hora, assim como pelos jornais, que parte das classes médias e altas leem ao despertar. Com esta ampla e ininterrupta divulgação, a atenção de toda a sociedade passa a concentrar-se nas espantosas imagens e mensagens, escritas ou faladas, de negociações de falcatruas econômicas e políticas, clandestinamente captadas em telefonemas, e-mails e gravações, bem como em documentos entregues pelos delatores ou encontrados pela polícia nas devassas de seus escritórios e residências. É um verdadeiro show de psicopatia que chega a ser divertido pois nos lembra os mais hilários filmes B e seus canastrões. A triste diferença é que, neste caso, a narrativa ficcional baseia-se em dados da realidade. Se estes, por si só, provocariam uma total indignação, ao serem devidamente editados na construção da narrativa, cuja função é preparar o terreno para o golpe, eles tem o poder de gerar graves efeitos micropolíticos nas subjetividades: a propagação da insegurança e do medo de colapso.

Há realmente algo de novo no uso de narrativas ficcionais pelo poder?

É verdade que não constitui novidade o uso pelo capitalismo da manipulação pelo discurso, seja ele verbal ou imagético, por meio da construção de narrativas que demonizam o inimigo da hora, como estratégia micropolítica de poder para viabilizar e justificar seus projetos macropolíticos. Tal estratégia foi amplamente usada pelo regime desde sua fundação (basta citar a catequese, uma versão de narrativa ficcional, no modo palavras-de-Deus, único e universal), tendo se aprimorado com a advento dos meios de informação e comunicação de massa, no final do século XIX, que acompanhou a segunda revolução industrial. Neste contexto, além de ter sido um dispositivo central das estratégias de produção de subjetividade no século XX, foi amplamente usado pelo poder nos regimes totalitários, assim como na preparação dos golpes de Estado dos anos 1960 e 70. Porém o modo como atualiza-se este dispositivo de poder não é idêntico: aqui reside uma segunda diferença entre as duas versões do regime, industrial e financeirizada.

O avanço exponencial das tecnologias de informação e comunicação à distância a partir do final dos anos 1970, não só tornou seu uso micro e macropolítico mais sutil e poderoso, mas foi o que, em parte, viabilizou a própria conquista do poder globalitário pelo capitalismo, em sua nova dobra. As narrativas de propaganda realizadas pelo capitalismo industrial (igualmente arquitetadas e financiadas por uma aliança entre empresários e políticos) eram toscas, acessadas pelo rádio e pela televisão (cujo uso aumentou depois da segunda guerra mundial), assim como nos cinemas antes dos filmes. Já as novas tecnologias de comunicação permitiram um aprimoramento significativo deste dispositivo do poder: a sofisticação das linguagens e das técnicas de manipulação e publicidade (o que inclui uma profunda mudança da televisão), a multiplicação das mídias e o alcance mundial da divulgação das mensagens em tempo real. Se divulgar falsas informações tampouco é novidade e faz parte da composição das narrativas ficcionais impostas às subjetividades, no capitalismo financeirizado tal dispositivo se aprimora. Viabilizadas pelo desenvolvimento tecnológico de robôs que passam a agir na Internet, as chamadas fake-news não só viralizam, mas simulam sua legitimidade com infinitos likes instantaneamente produzidos por tais robôs, o que as faz parecer massivamente aceitas, intensificando e propagando sua ilusória credibilidade.

Tampouco são os mesmos nos dois contextos os focos privilegiados para produzir temor e insegurança e mobilizar a fúria conservadora. Nos anos 1950 e 60 do capitalismo industrial, o foco era o fantasma do comunismo propagado pela guerra fria: uma ameaça que encontrava respaldo na recente divulgação dos horrores totalitários do stalinismo, a qual trazia de volta à memória das massas os traumas provocados pelo nazismo e o fascismo, cujos efeitos ainda infectavam sua subjetividade. Projetava-se esse fantasma nos governos com tendências democratizantes (foi o caso de Jango, no Brasil), projeção cujos efeitos nas massas preparou o terreno para os golpes de Estado nos anos 1960 e 70. Entretanto, nos anos 1990, as experiências de governos com tendência à esquerda após o fim das ditaduras, mobilizaram ampla identificação nas camadas mais desfavorecidas da sociedade – sua grande maioria –, não sendo mais possível associá-los ao comunismo como um fantasma ameaçador, e menos ainda à sua versão totalitária, ao que se acrescenta o fim da URSS e a queda do muro de Berlim. É então esta identificação que a dobra financeirizada do capitalismo necessitará destruir. Para lográ-lo, elege-se a corrupção como foco para a demonização das esquerdas na narrativa a ser construída e midiatizada. Se a acusação de corrupção já foi e continua sendo amplamente usada pelo poder para eliminar seus inimigos, usá-la contra líderes de esquerda tem um adicional de eficácia: a destruição de sua imagem de honestidade e de uma sincera cumplicidade com a agenda social, uma das principais virtudes que lhes são atribuídas no imaginário dos que com eles se identificam, a qual os diferenciava dos demais políticos, que no país são tradicionalmente associados à corrupção. No caso específico de Lula, associá-lo à corrupção visa destruir igualmente a imagem de que sua origem de classe garantiria sua cumplicidade com as causas sociais. A ideia de que são todos “farinha do mesmo saco” faz com que à insegurança e ao medo, acrescente-se a decepção, gerando uma espécie de apatia por exaustão.

Mas o uso pelo regime colonial-capitalístico de estratégias micropolíticas para sustentar suas estratégias macropolíticas não se reduz à propaganda. Este é apenas um dos dispositivos de seu modus operandi micropolítico, o qual é muito mais amplo e complexo e, com desdobramentos e variações, é por ele praticado desde sua fundação no século XV. E tem mais: este é um dos elementos fundamentais de sua modalidade de poder.

Matriz micropolítica do poder colonial-capitalístico: o abuso da vida

A estratégia micropolítica do poder colonial-capitalístico consiste em investir na produção de um certa política de subjetivação, matriz do regime nesta esfera. Tal política tem como elemento fundamental o abuso da vida enquanto força de criação e transmutação, força na qual reside seu destino ético e a condição para sua continuidade. Isto inclui a potência vital em todas suas manifestações e não só nos humanos – sendo que nos humanos o abuso não se restringe à sua manifestação como força de trabalho, como se pensava no marxismo. O intuito do abuso é separar a subjetividade de sua potência vital, obstruindo seu acesso a tal potência e a destituindo assim de seu poder de escolha para conduzí-la, o que a torna dócil e submissa aos modos de existência necessários ao regime e à sua exploração.

No entanto, na nova dobra do regime, a intervenção nesta esfera refina-se e se intensifica. O abuso da força vital vai mais fundo: seu intuito não é mais simplesmente o de torná-la dócil e submissa, como o era no capitalismo industrial em suas primeira e segunda revoluções. Ao contrário, o intuito agora é estimular esta potência e acelerar e intensificar sua produtividade, mas a desviando de seu destino ético, para converter sua natureza de força de “criação” de novos modos de existência em resposta às demandas da vida, em força de “criatividade”, a ser investida na composição de novos cenários para a acumulação de capital (econômico, politico, cultural e narcísico). No lugar da criação do novo, o que se produz (criativamente e cada vez mais velozmente) são “novidades”, as quais multiplicam as oportunidades para os investimentos de capital e excitam a vontade de consumo. Embora tal vontade venha sendo mobilizada desde a dobra anterior do regime, ela encontra agora a seu dispor uma contínua explosão de novos produtos, cujas imagens – que lhe chegam como bombas por todos os lados, lançadas pelos meios de comunicação e informação –, alimentam sem cessar sua compulsiva voracidade. Ou seja, a potência vital passa a ser usada para a reprodução do status quo; apenas muda-se, criativamente, suas peças de lugar ou se faz variações sobre as mesmas.

Se o novo tipo de golpe de Estado não faz uso da força militar, não é apenas porque governos rígidos, totalitários e nacionalistas não lhe convêm. Além destas razões macropolíticas, há razões micropolíticas que funcionam segundo a mesma perspectiva: tampouco lhe convém a subjetividade rígida identitária própria de regimes autoritários que convinha ao capitalismo industrial. O regime capitalista anterior precisava de corpos dóceis que se mantivessem sedentários, cada um fixo em seu lugar, disciplinarmente organizados (como os operários na fábrica). Diferentemente disso, o capitalismo financeirizado necessita destas subjetividades flexíveis e “criativas” que se amoldem, tanto na produção quanto no consumo, aos novos cenários que o mercado não para de introduzir. Em outras palavras, o novo regime necessita produzir subjetividades que tenham a maleabilidade de circular por vários lugares e funções, acompanhando a velocidade dos deslocamentos contínuos e infinitesimais de capital e informação.

Esta é mais uma das razões pelas quais não interessa à nova dobra do capitalismo o uso da força militar em seus golpes de Estado; é com a força do desejo que os realiza micropoliticamente. Isto se faz por meio da corrupção do desejo, enquanto seus capatazes fazem o serviço bruto na esfera macropolítica. É por esta mesma razão que é também micropoliticamente que não interessa ao novo regime manter conservadores no poder após os golpes de Estado, e muito menos regimes ditatoriais e nacionalistas.

O surto conservador

Voltemos ao seriado do golpe. Mais para o final da segunda temporada, à manipulação das subjetividades acima descritas se acrescentará mais um dispositivo micropolítico de poder que incidirá mais direta e veementemente nesta esfera e em seu uso instrumental na esfera macropolítica. Para o cumprimento de tal tarefa, serão mais do que perfeitos os grosseiros capangas do neoliberalismo com sua mentalidade infame e sua ânsia de massacrar todos aqueles que não são seu espelho. É quando irrompe mais violentamente o surto conservador.

Apela-se mais fanaticamente ainda à moral igrejista, familialista e identitária que, embora presente desde o início no script do seriado, beira agora o delírio. Toma-se como alvo a cultura em seu sentido amplo: das práticas artísticas, educacionais, terapêuticas e religiosas (não cristãs) aos modos de existência que não se encaixam nas categorias machistas, heteronormativas, homofóbicas, transfóbicas, racistas, classistas e xenofóbicas. Com ampla divulgação pela mídia, certos tipos de práticas passam a ser associadas ao demônio, como o eram nos séculos da Inquisição as práticas de mulheres que foram pejorativamente chamadas de “bruxas”, qualificação que autorizava sua prisão, tortura e morte. (Isto, aliás, continuou acontecendo após a Inquisição – são mais de um milhão de mulheres assassinadas como bruxas desde então –, e continua se reproduzindo ainda hoje. Basta lembrar que é à figura da bruxa que se associou Judith Butler para atacá-la em sua recente visita ao Brasil. Chegou-se a queimar publicamente um boneco que a reproduzia em frente ao SESC, uma das instituições culturais mais respeitadas do país na qual se realizava o simpósio internacional que Butler ajudara a organizar). Tal dispositivo de manipulação das subjetividades preparará o terreno para efetuar mudanças nas leis vigentes nestes campos. Fiquemos em três exemplos, todos ocorridos no mesmo período (de meados ao final do segundo semestre de 2017).

O primeiro é a arte: certas práticas artísticas – as que trazem à tona questões de gênero, de sexualidade e de religião –, passam a ser desqualificadas e criminalizadas. Nesta operação mata-se dois coelhos de uma cajadada só: demoniza-se as práticas ligadas a estas questões que não se enquadram em suas formas dominantes e, com isso, demoniza-se igualmente a dignidade ética da arte em seu exercício ativo da pulsão criadora, neutralizando assim sua potência micropolítica. Tal potência consiste em tornar sensíveis as demandas da vida ao ver-se sufocada nas formas vigentes de existência individual e coletiva, quando estas perderam seu sentido pelos efeitos que os encontros com a alteridade mutante do entorno produziram nos corpos. Materializadas em obras, estas demandas vitais teriam o poder de contágio dos públicos que a elas têm acesso, o que tenderia a mobilizar a força coletiva de transfiguração das formas da realidade e de transvaloração de seus valores. Atacar a arte é atacar a possiblidade de irrupção social de tal força, dificultando ainda mais seu acesso pelas subjetividades.

O segundo exemplo são os movimentos que performatizam mutações das subjetividades, especialmente nos âmbitos da sexualidade e das relações de gênero (movimentos feministas, LGBTQI, etc). A operação neste caso consiste em mobilizar a volta aos valores da heterossexualidade monogâmica da família nuclear patriarcal como forma absoluta de laço social e de erotismo (se é que faz sentido manter esta palavra neste caso). O objetivo é interromper a propagação do processo pulsional de criação de novos modos de existir nestes terrenos. Um processo que se desencadearia pela urgência da vida de recuperar sua potência em tais terrenos, em cujas formas dominantes encontra-se debilitada.

O terceiro exemplo diz respeito aos negros e indígenas que, em diferentes proporções em função dos circuitos do tráfico de escravos africanos, formam a maioria nas sociedades das ex-colônias. Se o comportamento dominante em relação a estas camadas da população sempre consistiu em sua humilhação e estigmatização – o que inclui suas tradições culturais e, principalmente, a perspectiva que as conduz, segundo a qual estas atualizam-se em novas formas em função do contexto –, agora tal comportamento se exibe publicamente com orgulho, sem o menor pudor. No Brasil, isto se manifesta do lado dos negros na destruição em série de terreiros de Candomblé: a associação ao demônio desta prática religiosa de origem afro legitima os agentes de seu messacre, os quais o divulgam ampla e abertamente, exibindo-se orgulhosamente nas redes de comunicação e informação. Do lado dos indígenas, o alvo são suas terras, às quais estão indissociável e visceralmente vinculadas suas tradições culturais (além do fato óbvio de promoverem seu sustento). Se a tomada das terras que desde sempre lhes pertenceram nunca parou de existir desde o início da colonização, a operação atual consiste na abolição das leis que haviam demarcado terras a eles destinadas, seja das que lhes pertencem desde sempre, ou daquelas para onde foram levados após as demarcações – leis cuja promulgação pela Constituição Cidadã, de 1988, havia sido fruto de uma árdua luta das décadas anteriores. Agora é com o apoio da lei que os empresários rurais expulsam os indígenas de suas terras. Na maioria dos casos, como sempre, mata-se primeiro seus líderes, preparando assim o momento da expulsão da comunidade inteira, momento em que, se necessário, apela-se para o genocídio.

Se no terceiro exemplo, o das tradições culturais africanas e indígenas, o objetivo destas operações que compõem o golpe é mais obviamente macropolítico (a expropriação dos terrenos do Candomblé e das terras indígenas, assim como o ataque aos movimentos negros e indígenas que vêm se fortalecendo), basta colocá-lo lado a lado com os outros dois exemplos de operações, simultaneamente em curso, para nos darmos conta de que há igualmente neste dispositivo um objetivo mais sutil, micropolítico, indispensável para a preparação da mudança de leis nos campos da educação, da saúde, do direito à posse de terras e da preservação ambiental.

No campo da saúde é neste mesmo momento que deputados federais desenterram um projeto de lei que visa incluir a homossexualidade entre as doenças a serem tratadas. Com o hilário lema da “cura gay” se pretende legalizar terapias (psicológicas ou religiosas) cuja função é transformar a orientação sexual de todos aqueles cujas práticas escapem das categorias dominantes de gênero e sexualidade. Lembrando que já na década de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) descartou qualquer projeto que associe a orientação sexual a doença, e que no Brasil o Conselho Federal de Psicologia proibiu esta associação em 1999 e o Conselho Federal de Medicina, há mais de 30 anos – é no mínimo surpreendente, para não dizer estarrecedor, que a questão tenha voltado à baila no Brasil em pleno ano de 2017, provocando uma acalorada polêmica. Mas é menos surpreendente o retorno deste fantasma se o situarmos no universo de operações micropolíticas do roteiro do golpe: desta perspectiva, o fato de que tal projeto de lei tenha sido descartado não impede seu impacto como dispositivo micropolítico de poder que incide na produção de subjetividade.

No campo da educação, durante as discussões no congresso em torno da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) demoniza-se nos currículos escolares qualquer abordagem de temas como a política (o famoso lema: “Escola sem partido”), a identidade de gênero, a orientação sexual e as culturas africanas e indígenas. Aprovada em dezembro de 2017, na nova BNCC foram eliminados trechos que afirmavam a necessidade de um ensino sem preconceitos. Mais especificamente, foram excluídos mais de dez trechos que mencionavam as questões de gênero e sexualidade e eliminados da bibliografia textos que abordassem a mitologia dos orixás, com o argumento de que seu conteúdo seria demoníaco. Tais cortes do currículo escolar têm seu lastro nas operações micropolíticas mencionadas nos dois exemplos anteriores (LGBTQI e negros e indígenas) e participam da construção da mesma narrativa que agora tem nestas camadas da sociedade seu novo personagem vilão.

A mesma dimensão micropolítica das operações do poder neste campo está presente nos cortes de verbas de educação e pesquisa nas universidades públicas, acima mencionados. Se é fato que, historicamente, o acesso às universidades públicas no Brasil sempre foi privilégio das classes mais abastadas – o que só começou a mudar nos governos petistas –, o desmonte da própria universidade elitista denota que o golpe na educação não incide apenas na esfera macropolítica, na qual seu objetivo óbvio é eliminar o recém-conquistado acesso da grande maioria à educação. Seu objetivo micropolítico é enfraquecer o acesso à informação e à formação intelectual na sociedade brasileira como um todo, o que tem por efeito debilitar a potência do pensamento, essencial para decifrar as asfixias da vida em suas formas presentes e combatê-las, criando novos cenários. Faz igualmente parte da dimensão micropolítica do golpe na educação, os efeitos da nova lei trabalhista nas universidades privadas. Se é óbvia a meta macropolítica da demissão em massa dos professores – aumentar exponencialmente o lucro das empresas de educação, pagando menos aos professores e baixando o valor pago pelos alunos de modo a aumentar sua clientela –, sua meta é também micropolítica. Durante os governos petistas, com a melhora de qualidade de vida das camadas sociais mais desfavorecidas, estas passaram a frequentar universidades privadas. O objetivo micropolítico da demissão em massa dos professores não foi apenas o de baixar a ainda mais a qualidade de educação que lhes era oferecida por estas universidades, a coisa é mais perversa: tais universidades usaram a diminuição do custo do estudo como foco de suas campanhas publicitárias, amplamente veiculadas quase concomitantemente à tal demissão. De cunho incontestavelmente populista, a narrativa de tais campanhas tem por efeito levar esta camada da sociedade a acreditar que o acesso à educação teria sido ampliado. O mesmo discurso populista foi utilizado pelo governo federal para legitimar sua Base Nacional Comum Curricular, em farta campanha publicitária veiculada, várias vezes ao dia durante meses, por todos os meios de comunicação.

No campo do direito à terra, que inclui as leis ambientais e as que concernem os indígenas, no mesmo ano de 2017, o presidente Temer promulgou um decreto extinguindo a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca). Trata-se de uma área localizada entre o Pará e o Amapá que abrange 4,2 milhões de hectares, criada no final da ditadura militar para evitar que os minérios fossem explorados por empresas estrangeiras. Nesta reserva, vivem algumas comunidades indígenas, além do fato de que o Renca se localiza no “Escudo das Guianas”, área que envolve parte da Amazônia brasileira, a Venezuela e as Guianas. Neste escudo se encontra a maior extensão de áreas protegidas do mundo, com menos de 1% de desmatamento, além de aí viverem espécies que não existem em outros lugares do mundo. Do ponto de vista macropolítico, tal decreto que visava contemplar os interesses da bancada ruralista e abrir novas oportunidades de investimento para o capital internacional, foi um fracasso. Temer foi levado a recuar pela pressão de sua enorme repercussão negativa nacional e internacionalmente (principalmente por parte dos ambientalistas); tentou ainda editar um novo Decreto com texto similar, mas este foi questionado pela Justiça e enfim suspenso. Apesar do fracasso da operação na esfera macropolítica, fica nítido aqui que a operação micropolítica da desqualificação das culturas indígenas visava, entre outros objetivos, contribuir para seu sucesso. Mais amplamente, em tal decreto fica nítida a matriz micropolítica do regime colonial-capitalístico: o abuso da vida – não só da vida humana, nem da vida de uma região, mas do planeta como um todo.

O conservadorismo é imprescindível para o capitalismo financeiro globalitário

Agora, podemos esmiuçar mais precisamente a operação micropolítica da nova modalidade de golpe própria do capitalismo financeiro globalitário e a razão pela qual para realizá-la lhe é necessário insuflar o conservadorismo como um dispositivo essencial de poder. Na primeira temporada a fragilidade das subjetividades, decorrente da desapropriação de sua força de criação pelo abuso, é aguçada pela insegurança que lhes provoca a demonização das esquerdas no governo e o fantasma da crise. Na segunda temporada a insegurança se intensifica com a demonização das classes política e empresarial como um todo e o tom mais veementemente apocalíptico em torno da crise econômica, à qual se acrescenta a crise institucional que vem desagregando o Estado a olhos vistos. Isto faz com que as subjetividades tendam a agarrar-se a qualquer promessa de estabilidade e segurança e passem, por isso, a projetar seu mal-estar nas figuras de bode expiatório que desempenham o papel de vilão no roteiro do golpe, das quais os mocinhos irão salvá-las. Porém, nos episódios finais da segunda temporada, um passo a mais é dado na estratégia micropolítica. Até então o papel de vilão era desempenhado pelos políticos acusados de corrupção para que as subjetividades pudessem projetar seu mal-estar no Estado, assim como pelo empresariado sobre o qual podiam projetar seu ódio de classe. Agora, a estigmatização de modos de existência destoantes permite que se projete o mal-estar em segmentos da sociedade, que já não podem ser simplesmente encaixados nas categorias de classe.

É a própria alteridade que passa então a ser demonizada, o que leva a reforçar mais gravemente a já existente blindagem das subjetividades em relação à sua experiência vital. É que sendo esta composta pelos efeitos do outro no corpo, tais efeitos, agora demonizados, tornam-se perigosíssimos no imaginário e devem ser denegados a qualquer custo, para que não se corra o risco de absorvê-los. Isso tem o poder de desmobilizar ainda mais a potência de transfiguração da realidade coletiva, da qual a experiência de habitar a trama relacional tecida entre distintos modos de existência seria portadora, se as rédeas do destino da pulsão estivessem em nossas mãos. As condições estão dadas para que o desejo se entregue mais plena e gozosamente ao abuso colonial-capitalístico da pulsão vital.

Em suma, nos episódios finais da segunda temporada do seriado do golpe, enquanto intensifica-se a operação macropolítica de desmonte da constituição e da economia nacional, intensifica-se igualmente a operação micropolítica de produção de subjetividades entregues à cafetinagem do desejo. Com esta dupla operação indissociável, prepara-se a sociedade para a terceira e última temporada: a tomada do poder político e econômico pelo capitalismo globalitário. Ela estará enfim pronta para recebê-lo de braços abertos como o salvador “civilizado” que saneará a economia de sua falência e reestabelecerá a dignidade da vida pública, devolvendo ao país seu prestígio perdido e a serenidade a seus cidadãos. Fim do seriado. Golpe concluído.

A máscara da legalidade democrática

Para chegar a este programado gran finale do seriado, é preciso eliminar todo e qualquer tipo de estorvo que interrompa ou diminua a velocidade da circulação de capitais, de informação e de subjetividades por vários lugares e funções. Os obstáculos podem ser encontrados em qualquer rota do capital e são de ordens variadas e variáveis – pessoas, grupos, instituições, serviços, postos de trabalho, fronteiras, países, leis, imaginários, hábitos, modos de existência, etc. Sendo assim, eles não se encaixam em figuras fixas organizadas em pares binários por oposição, o que torna obsoleta a figura do “inimigo”, tal como ela se configura na tradição ocidental. Mas em seu jogo midiático perverso, o regime usa esta figura, vestindo seus obstáculos com a máscara do vilão do seriado, para torná-los alvo da vontade de destruição pelas massas. Isso dura um breve período, o tempo necessário para tirá-los da frente; e, rapidamente, novos obstáculos ocuparão o lugar de vilão.

O Estado de direito e o regime democrático estão entre os principais obstáculos macropolíticos ao capitalismo financeirizado globalitário. Para eliminá-los usa-se a mesma operação micropolítica que apela para a figura do inimigo; contudo, embora a operação tenha a mesma lógica, neste caso invertem-se os papéis. Aqui os obstáculos ao regime (o Estado de direito e a democracia) é que serão mascarados com o personagem do mocinho, enquanto o papel de inimigo caberá a seus detratores, verdadeiros ou ficcionais; um papel que no final da segunda temporada terá sido desempenhado por todos os protagonistas do poder nacional, político e econômico (não financeirizado). É então que o capitalismo transnacional apresenta-se como o único mocinho do planeta capaz de recuperar a legalidade democrática – personagem com o qual o regime se mascara no seriado do golpe de Estado, ocultando assim o fato de ser ele seu verdadeiro agente e que é precisamente este tipo de Estado que ele visa destruir.

A composição da máscara de legalidade democrática é sutil e astuta. A segunda temporada do seriado do golpe começa a ser veiculada pela mídia imediatamente após o final da primeira. Os scripts são idênticos, só mudam os personagens que desempenham o papel de vilões acusados de corrupção. Se, na primeira temporada, parte da sociedade brasileira ainda conseguia ver que se tratava de um golpe cujo objetivo era aniquilar a imagem dos políticos progressistas para tirá-los do poder, com a substituição dos protagonistas do papel de vilão na segunda temporada, vence na maioria a ideia de que a expulsão dos governantes progressistas havia sido uma ação imparcial e digna, visando a necessária moralização da vida pública. Tal ideia consegue inclusive contaminar aqueles que têm menos acesso aos direitos, parcela majoritária da população que havia sido favorecida pelos governos progressistas e os sentia como seus aliados. Neste final da segunda temporada do seriado, quando todos os políticos se tornam vilões, o inimigo passa a ser a própria política como um todo e, portanto, o Estado de direito. Esta operação teria, em princípio, uma tripla vantagem. A primeira é desacreditar o Estado em sua atual estrutura, democrática, para que seja mais facilmente reestruturado segundo a agenda neoliberal. A segunda vantagem é a despolitização da sociedade para que esta deixe de depositar em sua participação na democracia o mediador da defesa de seus direitos civis, já que esta passou a ser vista como intrinsecamente ligada à corrupção, onde todos são ladrões. O mais grave é que a despolitização na esfera do estado de direito leva de roldão a pulsão social de uma luta autônoma em relação ao Estado, seja ela macro ou micropolítica. A terceira vantagem é tornar as subjetividades ainda mais frágeis para facilitar seu abuso.

Em síntese

O novo tipo de golpe, próprio do capitalismo neoliberal globalitário, consiste num complexo conjunto de operações micro e macropolíticas, no qual pretende-se matar vários coelhos numa cajadada só – todos os coelhos que atravessam as vias, concretas ou virtuais, visíveis ou invisíveis, por onde circula o capital transnacional a cada momento. São eles: os políticos de esquerda e o imaginário progressista a eles associado (pelas dificuldades que impõem ao desmantelamento da constituição, às privatizações e à entrega do país ao capital financeirizado transnacional e seus comparsas locais), os políticos de alma pré-republicana e escravocrata (por seu arcaísmo nacionalista e identitário, sua ignorância e incompetência, e seu péssimo hábito de precisar de um Estado inchado para mamar em suas tetas), os líderes do empresariado industrial local (por manter investimentos na produção, desperdiçando assim oportunidades de aplicá-los na especulação), os líderes do empresariado nacional da construção das obras públicas (por impedir que o capital transnacional se aproprie plenamente dos grandes negócios locais neste setor) e, por fim, o próprio Estado em sua versão democrática e/ou nacionalista – tudo isso acompanhado micropoliticamente do desvio da potência coletiva de ação pensante criadora que se mobilizaria diante deste quadro intolerável.

Em síntese, a nova modalidade de golpe de Estado é, na verdade, não só um golpe contra a democracia e, portanto, contra a sociedade (em sua esfera macropolítica), mas, mais radicalmente ainda, é um golpe contra a própria vida – não só a vida humana, individual e coletiva, mas a vida do planeta como um todo (esfera micropolítica). E o capitalismo transnacional sai vitorioso e de mãos aparentemente limpas. Esta é, provavelmente, a apoteótica cena prevista para o final do seriado do golpe.

Entretanto, dois possíveis efeitos do seriado não estavam previstos em seu script. Ambos começam a manifestar-se no final da segunda temporada, em consequência da quebra do feitiço que as acusações contra Lula haviam gerado na primeira temporada e, sobretudo, do grau traumático a que chegou o desamparo em que se veem lançadas as subjetividades. São distintas as estratégias do desejo que se mobilizam diante do trauma. Fiquemos apenas nos dois polos extremos do amplo leque de tais estratégias, embora estas possam oscilar entre várias posições, além do fato de que os processos de elaboração têm o poder de deslocar posições iniciais. Num dos extremos, apelamos para estratégias defensivas que nos levam a agarrar-nos de unhas e dentes ao status quo: uma resposta patológica por termos sucumbido ao trauma, e que tem por efeito nos despotencializar. No outro extremo, amplia-se o alcance de nossa mirada, o que nos permite ser mais capazes de acessar os efeitos subjetivos da violência em nossos corpos, de sermos mais precisos em sua decifração e expressão e mais aptos a inventar maneiras de combatê-la. Mobiliza-se então a força criadora para transformar o status quo de modo que a pulsão vital cumpra seu destino ético: esta é uma resposta saudável que ao nos proteger de sucumbir ao trauma, mantém nossa potência e tende até a intensificá-la.

A primeira resposta, fruto de uma estratégia de desejo reativa, tende a gerar uma identificação das subjetividades com os conservadores, o que as leva a apoiá-los com euforia e fervor. Com o prolongamento da permanência dos conservadores nos governos na segunda temporada e seu crescente apoio pelas massas, apoio insuflado pelas estratégias do golpe, estes acabam sendo eleitos aos cargos legislativos, conseguindo assim estabelecer-se efetivamente no poder. Mais grave ainda é quando se elegem ao cargo de presidente da república, o que vem acontecendo em vários países. O exemplo mais significativo é o da vitória do brutamontes Trump para a presidência dos Estados Unidos, bufão psicopata e nacionalista ao extremo. É bom lembrar que o nacionalismo foi um dos elementos do discurso populista dos capangas do capitalismo financeiro, usado por ele para a construção da figura do “inimigo comum” que deve ser eliminado de cena, o que justifica e legitima o golpe (as políticas europeias anti-migratórias e o virulento anti-europeísmo, fenômenos que vem se manifestando atualmente, entram nesta mesma chave). Mas os capangas conservadores nacionalistas deveriam ser descartados assim que o golpe estivesse consumado: sua instalação no poder é o primeiro efeito colateral do seriado que não estava previsto no roteiro.

Já a segunda resposta, fruto de uma estratégia de desejo ativa, gera a ascensão de uma nova modalidade de resistência, que se cria coletivamente face à nova modalidade de poder. Este é o segundo efeito colateral do seriado do golpe que tampouco estava previsto no roteiro. Por ser portador de oxigênio para o ar mortífero que respiramos no presente, finalizemos com alguns comentários acerca deste segundo fenômeno.

A nova modalidade de resistência

Passados os primeiros capítulos da segunda temporada, na qual se conseguira instaurar a ilusão de que não se tratou de golpe, seus capítulos seguintes – onde se vê a destruição das conquistas democráticas, a penalização da criação cultural e a desqualificação da política como um todo – não terão o mesmo êxito. Cada vez mais gente, em mais setores sociais e regiões do país, passa a se dar conta do sério risco que o poder globalitário do capitalismo traz não só para a continuidade da vida da espécie humana, mas do planeta como um todo. O sinal de alerta faz com que tenda a cair o véu de sua ilusão, tecido pelo abuso. Instaura-se nas subjetividades um estado de urgência que as faz batalhar para abrir o acesso à experiência subjetiva de nossa condição de viventes e retomar em suas mãos as rédeas da pulsão. Isto leva o desejo a deslocar-se de sua entrega ao abuso e a agir no sentido de transfigurar o presente, impedindo que a carnificina prossiga.

O fato de que, em sua nova dobra, fique mais escancarado que o capitalismo incide na esfera micropolítica dá origem a uma nova modalidade de resistência: surge a consciência de que a resistência tem que incidir igualmente nesta esfera. Isto aparece nos novos tipos de movimento social que vêm desestabilizando aqui e acolá o poder mundial do capitalismo financeirizado na determinação dos modos de existência que lhe são necessários. A propagação deste tipo de resistência, que se intensificou após o tsunami dos ditos golpes de Estado provocados pelo novo regime por toda parte, tem surgido principalmente entre as gerações mais jovens e, mais contundentemente, nas periferias dos grandes centros urbanos. Nestes contextos, destacam-se especialmente os citados movimentos das mulheres (numa nova dobra do feminismo), dos LGBTQI (numa nova dobra das lutas no campo da homossexualidade, transexualidade, etc, na qual estas se juntam em torno de alguns objetivos e refinam suas estratégias) e, também, dos negros (numa nova dobra de suas lutas anti-raciais). A estes movimentos somam-se as lutas por moradia e o combate dos indígenas, cada vez mais amplo e articulado – em ambos, uma forte atuação na esfera micropolítica agrega-se à sua tradicional atuação na macropolítica. Neste novo campo de batalha, cada um destes movimentos ganha novas forças.

A irrupção destas novas estratégias de combate nos ajuda a ver que o horizonte do modo tradicional de resistência das esquerdas tende a reduzir-se à esfera macropolítica e que esta redução seria uma das causas de sua desorientação e impotência frente ao atual estado de coisas. Tal entendimento tem o poder não só de nos tirar da paralisia melancólica fatalista à qual nos faria sucumbir a sombria paisagem que nos rodeia, bem como de nosso ressentimento com as esquerdas, mas também de nos permitir uma reaproximação das mesmas. Isto pode ter por efeito um aprimoramento dos instrumentos de resistência em ambas as esferas, micro e macropolítica.

O seriado do capitalismo financeirizado começa bem antes das três temporadas focadas em seus golpes de Estado e, certamente, será bem longa sua terceira temporada, em cujo roteiro parece estar prevista a instalação plena do poder globalitário do regime colonial-capitalista. Seus efeitos serão delineados coletivamente nos embates entre diferentes forças das mais reativas às mais ativas. Forças reativas que, em diferentes graus e escalas e com diferentes tipos de expressão, promovem o abuso da vida em sua potência pulsional de criação – seja atuando no personagem do vilão que abusa ou no da vítima que se deixa abusar. E forças ativas que, em diferentes graus e escalas e com diferentes tipos de expressão, promovem sua afirmação transfiguradora, dissolvendo tais personagens e, com eles, a cena em que atuam. Ninguém é permanentemente ativo ou reativo, tais posições oscilam e se mesclam ao longo da existência individual e coletiva. O que importa do lado das forças ativas é o trabalho incansável que consiste em combater as forças reativas em nós mesmos e em nosso entorno, cujo sucesso jamais estará garantido e tampouco será definitivo.

Impossível prever o desfecho (sempre provisório) deste embate em que estamos envolvidos e que prosseguirá na terceira e última temporada do seriado. Mas há um alento no ar que nos vem da experiência de liberação da pulsão das sequelas de seu abuso colonial-capitalista. Apesar desta experiência ser relativamente recente, ela nos permite imaginar outros cenários e agirmos em sua direção. Isso nos faz acreditar que é possível despoluir o ar ambiente de sua poeira tóxica, pelo menos o suficiente para que a vida volte a fluir. O tratamento de tal poluição é micropolítico: um trabalho coletivo de descolonização do inconsciente, cujo foco são as políticas de produção de subjetividade que orientam o desejo e as consequentes formações do inconsciente no campo social. Esta é a tarefa que nos desafia no presente. Depois é depois: novas formas de existência se instalarão, com novas tensões entre diferentes qualidades e intensidades de forças ativas e reativas e seus confrontos, os quais convocarão novas estratégias de resistência, num combate sem fim pela vida.

São Paulo, 2017/2018

P.S: Em 24 de janeiro de 2018, poucos dias após a finalização da escrita deste texto, Lula foi praticamente excluído da vida pública, condenado à prisão por doze anos, quando então terá 84 anos. “Praticamente”, porque embora ainda falte o recurso de seus advogados a duas instâncias da Justiça, podemos prever que estas manterão as decisões de condená-lo e legitimarão sua imediata prisão. Com isso, já podemos dizer que o golpe de Estado “propriamente dito” foi bem sucedido. Mas o maldito seriado do golpe não termina aqui: apesar do Estado propriamente dito ser um de seus objetos privilegiados, ele não é o único. Terá sido a eliminação de Lula o último episódio de sua segunda temporada? Neste caso, a partir de agora assistiríamos a sua terceira temporada: será seu roteiro próximo ao que foi aqui anunciado? Haverá outras temporadas mais? Jogos de adivinhação não são bem-vindos neste tipo de contexto. Além de não podermos prever exatamente seu script, efeitos não previstos podem surpreender seus autores e a nós trazer alento, como já vem acontecendo. Apesar do seriado ser ininterruptamente campeão de audiência, e o golpe propriamente dito ter sido vitorioso, o tiro pode sair pela culatra. Isso fica mais uma vez notório na reação da maioria da sociedade brasileira à condenação de Lula. Se sua vitória foi celebrada pelas elites internacionais do capitalismo financeirizado, assim como por suas elites locais, do lado de suas camadas expoliadas (a grande maioria), assim como das camadas politizadas das classes médias, no Brasil e no exterior, a reação foi oposta. Por ser claramente injusta e fruto de uma cruel armação, a condenação indignou tais camadas e gerou um efeito bumerangue: reativou-se poderosamente a força da presença de Lula em seu imaginário – no qual ele já vinha resgatando seu lugar de liderança digna, mesmo entre aqueles que tem críticas a seu governo. Basta lembrar que se o seriado do golpe, no início de sua primeira temporada, havia conseguido fazer com que os 80% de aprovação de seu governo, baixassem para 12% de intenções de voto, na segunda temporada seu número já passara a ser suficiente para que ele vencesse as eleições para a presidência da república em 2018, provavelmente já no primeiro turno.

Mas, como sugere o texto em sua frase final, a história humana (como a do cosmos) nunca chega ao fim. A ideia de fim, seja ele um gran finale ou o anúncio do apocalipse, é herdeira da ideia nefasta de paraíso e de seu corolário, o inferno. São estes os dispositivos mais antigos em nossa civilização para a instrumentalização da pulsão e a consequente manipulação das subjetividades. Tais figuras encobrem a pulsão com um duplo véu de equívocos costurados um ao outro. O primeiro véu-equívoco é o de que um dia a vida se estabilizará definitivamente (seja – e não por acaso – após a morte ou seja nesta existência, com os substitutos do par paraíso-inferno propostos na modernidade). Um véu que encobre suas inevitáveis turbulências face à quais atuaria sua (em nós) vontade de perseveração. O segundo véu-equívoco é de que só terão o privilégio deste suposto destino da vida aqueles que entregarem as rédeas da pulsão a Deus (ou seus substitutos na modernidade), os quais para merecê-lo terão que submeter-se às ordens da Igreja (ou de seus substitutos na modernidade). Não há mais tempo a perder com nossa nefasta submissão a tais ideias, próprias da redução do pensamento à esfera macropolítica. Impõe-se a nós a exigência de nos livrarmos deste reducionismo na condução de nossas estratégias de resistência, expandindo-as de modo a englobarem a esfera micropolítica. Esta é a condição para ativarmos a imaginação criadora a fim de que oriente o desejo na direção de ações efetivamente transfiguradoras.

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* Com agradecimentos a Josy Panão, Paul Preciado, Pedro Taam, Maria Alves de Lima, Rolf Abderhalden e Tício Escobar pelos ricos aportes trazidos em sua cuidadosa leitura deste texto e a todos aqueles que tem se dedicado a decifrar a nova modalidade de golpe e de poder do capitalismo contemporâneo.

Fuente: outraspalavras

Traducción: Decio Machado

Como pensador, Toni Negri ha desarrollado nuevas interpretaciones sobre las actuales configuraciones de poder y estructura de las sociedades. A los 83 años, se ha convertido en referencia para análisis de fenómenos bastantes actuales, que van desde el ascenso de un nuevo tipo de derechas, más agresiva y sofisticada, hasta las nuevas movilizaciones de resistencia, tales como el movimiento Occupy, en los Estados Unidos, o los levantamientos de la Primavera Árabe o las mismísimas movilizaciones de junio de 2013 en Brasil. Entre las ideas que defiende está el que las formas tradicionales de organización política, como partidos y sindicatos, perdieron importancia en un escenario complejo marcado por alteraciones estructurales de la producción y la división del trabajo en las metrópolis. Es en las calles que surge la resistencia más activa a las nuevas ofensivas capitalistas de privatización de bienes comunes, cuerpos y afectividades. Entender como se da el fenómeno de saber lidiar con una diversidad de multitudes y sus demandas es fundamental para enfrentar la onda conservadora que golpea en la actualidad al planeta y reorganizar la resistencia en favor de una sociedad más democrática y justa. Es desde ese prima que Negri hace su lectura sobre la crisis institucional que abate a Brasil. Él estuvo en Sao Paulo en octubre de 2016, invitado por la editorial Autonomía Literaria e FFLCH-USP, teniendo la oportunidad de conocer y conversar con integrantes de diferentes corrientes de la izquierda y de movimientos sociales, además de académicos, estudiantes y activistas. En este artículo, comparte sus dudas y conclusiones tras la visita.

En el viaje de trabajo realizado a Brasil encontré políticos e intelectuales brasileños y, ante estos, hice algunos cuestionamientos, recibiendo respuestas distintas, y a veces contradictorias, sobre la crisis institucional en curso y sobre la derrota del PT (inicialmente en el ámbito parlamentario y, por último, en las elecciones municipales). A partir de las respuestas a estas cuestiones, paso a hacer algunas conclusiones provisorias. Mis interlocutores eran personas de la izquierda, de una izquierda brasileña hoy muy fragmentada. Primera pregunta: ¿por qué el PT reprimió las luchas modelo Ocuppy de 2013-2014 al punto de desvirtuar su significado y permitir que la derecha lograse la hegemonía sobre ellas? La respuesta que recibí de los políticos del PT fue unívoca y terriblemente decepcionante. Por parte de todos, este es un punto realmente grave, por parte de todos sin ninguna excepción y sin arrepentimiento alguno (incluso en muchas ocasiones con el embarazo de la mentira), obtuve una sola respuesta: esos movimientos amenazaban desde su inicio nuestra gobernabilidad. No voy a considerar comentarios sin sentido, como cuando alguien dice que las luchas de 2013 habían sido impulsadas por la CIA, y esto no solo en Brasil, sino también durante ese mismo ciclo en Estambul o El Cairo… Es evidente que, a partir de estas aseveraciones, sin duda insensatas, podemos concluir que el PT ya tenía una deteriorada relación con las poblaciones urbanas, que, inmersa en la crisis económica del país y golpeadas por la inflexión neoliberal de las políticas de Dilma, pedían desde 2013 al gobierno y al municipio un cambio de línea.

La segunda pregunta fue: ¿por qué tantos jóvenes negros continúan muriendo? No me dieron respuestas a esta cuestión. Como siempre que visito Brasil, esto se mantiene silenciado. La incomprensión de esta situación, la falta de voluntad de asumirla como problema fundamental, fue determinante en la impotencia del PT. No lo digo encontrarle solución, sino simplemente enfrentar el problema, por ejemplo, de las «favelas» (más allá de la dinámica del capital inmobiliario), y que ahora precipitó un vacío de relaciones que permitió y facilitó la entrada de la derecha religiosa (y no religiosa) al proletariado negro.

La función de las iglesias evangélicas es infravalorada respecto a su capacidad de organizar los nuevos estratos de clase media dentro y fuera de las «favelas» y esto permitió la penetración ideológica de la derecha y de una propaganda de «valores» totalmente subyugada a propuestas reaccionaras y/o de la restauración de la moralidad conservadora, etc. Probablemente aquí está el eje de uno de los puntos centrales de la crisis del PT, su pérdida de contacto (o de alguna forma de capacidad para reconducirse) respecto al proletariado negro del sistema industrial en crisis (si es que no en disolución) en las periferias de las grandes ciudades (en los estados de Sao Paulo y Minas Gerais, particularmente).

Es al interior de esta ex clase proletaria (dividida ahora entre nueva clase media y multitudes de desempleados y precarizados) que se revela la crisis más fuerte para la izquierda, pues es en estos espacios donde esa izquierda fue anteriormente hegemónica. La pérdida de hegemonía en estos estratos del proletariado urbano es sentido por los cuadros del PT como una traición. Se mira con espanto la emergencia y afirmación de nuevos «cuadros» negros en la derecha. En suma, parece que existe una completa ignorancia respecto a los cambios estructurales en el sistema productivo y en la división del trabajo urbano, al cual hay que agregar el abandono, como veremos, de los estratos proletarios más pobres.

Tercera pregunta: ¿por qué el PT no consiguió dar respuestas al ataque de la derecha (desde 2013) haciendo que reaccionasen las organizaciones de masas ligadas al partido? Aquí las respuestas demuestran que también con las organizaciones tradicionales (la CUT, el MST, etc) la relación ya se había convertido en irrelevantes, o tal vez subsistiese apenas basada con finalidad propagandística. Los sindicatos pasaron a ser corporativistas, adquiriendo los mismo problemas que existen en Europa ante la ofensiva «emprendedora» del empresariado financiero; el MST se vio también frustrado por la negativa o la lenta y contradictoria manera en que se emprendieron las expropiaciones de tierra (como consecuencia, se enraizó un sordo resentimiento respecto a un gobierno que a su vez no podía dejar de lado con el fin de no quedar sujeto al contra ataque de las fuerzas del latifundismo agrario). Sindicatos industriales y rurales se convirtieron en mecanismo de control político y, posiblemente, hasta de represión. ¿Cómo pedirles a estos actores una reacción organizada frente al predominio de la derecha? Y más allá de lo anterior, qué decir respecto de los movimientos sociales y el pueblo, si estos también habían sido duramente reprimidos.

La ofensiva de la derecha

Probablemente es aquí donde consigamos entender la conquista de la hegemonía por parte de la nueva derecha en las protestas urbanas, algo que sucedía por primera vez desde 2014, consiguiendo movilizar a centenas de miles de personas en medio de la ausencia de cualquier tipo de respuesta antagónica. El elemento que incendia y permite a la derecha el protagonismo en las calles está ligado a la campaña contra la corrupción que, de forma conjunta, accionan también contra el PT el poder judicial y los grandes medios de comunicación, leyendo a la perfección («la tempestad perfecta») el momento de crisis de relacionamiento entre el partido y la masa. El modelo utilizado para el ataque contra el PT por parte del poder judicial y los grandes mass media es exactamente el mismo que el que ya se había dado en la operación Manos Limpias (el juez Moro, que representa el eje de las iniciativas judiciales, ya había escrito y teorizado al respecto).

Dos breves reflexiones sobre esto: la corrupción de buena parte de las élites del PT surge, inicialmente, de la necesidad de equilibrar la «mayoría» en el parlamento brasileño, donde el PT nunca obtuvo mayoría; y posteriormente se amplifica, debido al usual apetito derivado del hábito de la corrupción política respecto al enriquecimiento personal de muchos cuadros del partido. Con todo, se trata de una corrupción generalizada en el sistema político brasileño: la fuerza y la astucia de la derecha (y del sistema jurídico/mediático) fue lanzar estas denuncias sobre el gobierno del PT. Parece que ahora, más allá del desastre del PT, la magistratura está redirigiendo sus acciones también contra sectores de la derecha, sin aún ejercer la misma eficacia terrorista que se produjo en relación al PT.

Continúan dos preguntas más. La primera: ¿por qué con tres presidencias el PT no se impulsó una reforma constitucional que garantizase la gobernabilidad sin necesidad de corromperse? Y en segundo lugar: ¿por qué en aquel mismo momento no se construyó un sistema de comunicación/media que permitiese al PT por lo menos alguna defensa contra los dinosaurios mediáticos (Globo, Folha, etc) de ese país? En la primera pregunta obtuve respuestas ambiguas y confusas. Para algunos, no era posible reformar la Constitución de un país que no hacía mucho había salido de un largo paréntesis dictatorial. Consecuentemente, la idea de gobernar por medio de ejercer la corrupción, es decir, retornando al hábito de la derecha, no les parecía perturbador para el proyecto del PT. Un sistema constitucional en que el presidente es electo con 60% de los votos -tales son los números de Lula-, en una república federal semi presidencialista en que el Congreso y el Senado no alcanzan -en un sistema electoral casi proporcional- nunca la mayoría (presidencia) necesaria para el funcionamiento legislativo y ejecutivo, es un monstruo constitucional, condenado a la inestabilidad y al negociados continuo.

Respecto a la cuestión mediática, muchos de mis interlocutores fueron menos reticentes. Me pareció entender que hubo, desde el inicio de los gobiernos del PT, un acuerdo tácito de fair play con los conglomerados mediáticos: ningún ataque sobre ellos por parte del gobierno y recíproca lealtad por parte de los media. Ese acuerdo se rompió en el momento en que la derecha conquistó las calles y la capacidad de expresar una oposición de perfil orgánico. No pretendo con esto imputar a la ingenuidad del PT la responsabilidad por la caída del gobierno, del deterioro de su acumulado y sobre todo de la pérdida de su hegemonía. El problema está, evidentemente, en otra parte, concretamente en la incapacidad política de resistir la ofensiva neoliberal, de abrir una respuesta multitudinaria (como aquella protagonizada en 2013 por parte de los movimientos urbanos), pero sin lugar a dudas, esas ingenuidades, que se convirtieron en estructurales, también ayudaron a la caída.

Crisis económica y clase media

Una nueva cuestión: ¿por qué la crisis económica mundial fue percibida con tal violencia en Brasil al punto de convertirse en algo incontrolable, es decir, controlable solamente mediante herramientas neoliberales? Aquí la respuesta fue más precisa. Tenemos documentos del PT que ilustran esta situación. Dicen: ganamos las elecciones presidenciales de 2014 con una campaña de izquierdas (yo incorporo: intentando retomar el contacto con los movimientos reprimidos en 2013), pero Dilma, apenas reelecta, invierte su política, intimidada por la fuerza de la crisis y de la recesión. Adopta las medidas macroeconómicas energéticas, expone sus nervios a las fuerzas financieras globales y de ellas proviene una dura reacción.

Me ahorraré aquí la historia de lo que continuó, pues no es nada que vaya más allá de los acontecimientos, es decir, la formación de un bloque de oposición que ve al partido tradicionalmente aliado al PT (el PMDB) convertir de súbito su línea política en términos neoliberales; una tentativa de Dilma de corregir la línea política… inmediatamente rota posteriormente. Es como decir que la tortilla neoliberal fue tímidamente catada por el PT, pero no le cayó bien, sin embargo, acabó impuesta en nuestra dieta alimenticia fruto de un «golpe de Estado». Una derecha ahora capaz, esta es su novedad, de identificar políticas financieras en el escenario global y privilegiar medidas que simplemente favorezcan a los ricos, como hacían tradicionalmente.

Pero que triste es escuchar a personas que fueron militantes, marxistas, compañeros de movimiento, interpretar todo en términos de equilibrio gubernamental y parlamentario cuando perdieron la oportunidad de relanzar una acción de izquierda y renovar el propio partido, pues reprimieron las luchas de 2013. Cabe señalar además, que en 2008 algunos de ellos consideraban que habían, ante la crisis, construido suficientes barreras de defensa. En realidad se trató de una ilusión. Pero de lo que sí estaban sinceramente convencidos es de que habían creado un ciclo independiente (1) (2) del comando financiero del Norte, un ciclo financiado por el petróleo y defendido por las alianzas políticas de los BRICS.

Otra cuestión: ¿qué es de esta bendita «clase media» que las políticas del PT en el gobierno impulsaron y que -incomprendidas- habrían cometido este parricidio? Para algunos del PT, 2013 fue un delito que el pueblo cometió contra sí mismo y en suma, contra el poder popular. Algo así como si una bestia inmunda se hubiese revelado… y enrabietado. Es extraño como la incomprensión política de las necesidades de «contrapoderes» activos en la sociedad puede revelarse letal para las fuerzas de la vieja izquierda que se volvieron socialdemócratas. Existe una total incomprensión sobre la acción de las minorías de las multitudes activas. Hablando con ex-funcionarios de la Alcaldía de Sao Paulo -ya girado hacia la derecha la institucionalidad local tras las elecciones seccionales- que provocaran accidentalmente los procesos de lucha de 2013 al negarse a reducir el precio de los transportes, mi percepción sobre la incapacidad de comprender los mecanismos elementales de poder por parte de esos burócratas quedó mas que confirmada.

Ellos tienen en la mente una doble ilusión: que la legitimidad de las luchas no puede ir más allá de la fábrica y que las luchas sociales son antidemocráticas. Todo tecnócrata entiende perfectamente que la metrópoli es, a estas alturas, el mecanismo central de acumulación capitalista, y que a partir de ella ocurren los procesos de extracción de plusvalía, pero no quieren entender que la fuerza de trabajo urbana debe ser por ese motivo, de alguna forma reconocida y eventualmente recompensada -que aquel «común» urbano debe ser explorado y de alguna forma «remunerado» (por ejemplo, por medio de la gratuidad en el transporte en una ciudad de 18 millones de habitantes, con una extensión y con un caos que vuelven la movilidad en una ardua tarea)-.

Con todo, no hay una respuesta precisa a como definir esta «fantasmagórica» nueva clase media. Sociológicamente, eso es lo que ya habíamos notado, se trata de una clase trabajadora que evolucionó en nuevas formas de composición cognitiva y urbana, ahora golpeada por la crisis y por las políticas neoliberales: ella defiende conquistas que creía haber adquirido y se rebela contra una situación miserable que considera inaceptable. Políticamente, esa multitud urbana es la clase productiva que quiere ser reconocida como tal. Los movimientos representan una especie de introducción a la política y esbozan una aproximación al poder, una tentativa de ejercicio de contrapoder. En consecuencia, el fracaso de las acciones de los movimientos que deviene de la represión impuesta contra estos, impide cualquier posibilidad de recuperación y mediación en el gobierno de la ciudad: abre camino con la reivindicación y acciones basadas en el poder de la mediación, mientras la decisión ya no se expresa en la voluntad democrática ni quedan sujetos al control democrático. Sus instrumentos fueron desconsiderados y/o destruidos. En Sao Paulo, simplemente andando por la ciudad o en algunas periferias de clases medias, la miseria es desbordante: pobres tumbados por las calles -no se sabe si durmiendo o muriendo-, gente pidiendo por todos lados, violencia nocturna, etc. Espectáculos intolerables.

La nueva derecha

Nueva pregunta: ¿cuál es el peso y cual es el juego de los varios componentes de la derecha brasileña (la fascista antigua, la moderna liberal, la nueva derecha militante, el fundamentalismo evangélico, la derecha católica, etc)? Si el elemento determinante de la sublevación reaccionaria fue la clase media en crisis, por qué lo fue y cómo? Les ahorraré los testimonios de algunas personas, integrantes del PT, con las que me tropecé: perseguidos y sometidos a una especie de linchamiento público, por parte de los transeuntes, de conocidos, de tenderos -uno de ellos me relató como fue llamado «comunista» y «ladrón» en la clase ejecutiva de un avión… amenazas y manifestaciones bajo las ventanas de los «petistas», denunciados como enterradores de la nación, la crisis económica les fue imputada… sin olvidar (e indudablemente no debe ser olvidado) que se espera en encarcelamiento de Lula.

Volviendo a lo nuestro: una novedad, por ejemplo, es el hecho de que una derecha agresiva, bélica, se manifiesta hoy por las calles. Desde los tiempos de la caída de la dictadura que algo así no sucedía. La derrota del poder municipal del PT fue masiva en las elecciones de noviembre del 2016; ninguna ciudad fue reconquistada en lugares en que el PT tenía casi monopolio. Entonces, ¿qué es ahora la nueva derecha? En muchos aspectos, es algo todavía indefinible; al momento, es una fuerza indistinta, ferozmente anti-PT, muchas veces antisindicatos… los elementos ideológicos clásicos del neoliberalismo la atraviesan. Acepta las pesadísimas operaciones que el nuevo gobierno decidió de forma inmediata a la llegada al poder: rigor presupuestario, flexibilización del mercado de trabajo y, sobre todo, la decisión de limitar -constitucionalmente- por veinte años la progresión del gasto público al ritmo de la inflación (idéntica operación hecha por Macri en Argentina). El déficit en el sistema de pensiones justificaría, por otra parte, el hecho de fijar en 65 años de edad el límite del retiro, hasta entonces tasado en los 35 años de contribuciones de servicio. Estado mínimo, privatizaciones, etc, constituyen una perspectiva próxima.

¿Podrá de esta manera mantenerse por mucho tiempo o esta derecha también está destinada a disolverse? Sobre esto las opiniones son distintas, el debate está abierto, pero es evidente que estamos ante un nuevo ciclo. Brasil es un país potencialmente riquísimo, pero su estructura social es tal vez más injusta (casi absurda) que la de otros países con análogo potencial. Una derecha que mantenga intactas las actuales condiciones sociales es impensable: el tiempo de estancia del PT en el poder, en este sentido, marcó una viraje decisivo. Para la derecha, mantenerse en el poder puede significar desorganizar las estructuras democráticas del Estado. Hay algo de patético en mis interlocutores del PT, cuando los reprendí por el comportamiento durante los movimientos de 2013-2014: «pero es que nosotros defendemos el Estado de Derecho». Pero ya no era más defendible, esto es lo que ellos no entendieron, mejor apostar por los contrapoderes de los pobres que ser aplastado por la contra revolución y la desorganización autoritaria del Estado de Derecho que la derecha no puede dejar de hacer. ¿Qué es entonces la derecha? Es una nueva máquina de poder que no podrá hacer otra cosa más que consolidar, en formas autoritarias, el control financiero sobre el desarrollo del país. Más allá de esto, a este tronco se injerta una derecha racista, blanca y oligárquica que, desde siempre, aún cuando no dominó políticamente, impuso en Brasil su voluntad. Teniendo presente este dato, es impensable en Brasil cualquier slogan del tipo indignados que equipare derecha e izquierda. En Brasil, se anticipó Trump.

El futuro del PT

Aquí surge una última pregunta: ¿Que queda del partido (PT)? ¿Por qué no se produce un relevo de cuadros, un rejuvenecimiento del partido? ¿Por qué se reveló un cuerpo blandengue contra el cual la empuje del enemigo fue fácil y su estocada profunda? Mi opinión es que el PT no conseguirá volver a ser una fuerza hegemónica. Por mejor que sea a partir de ahora, se convertirá en uno de los pequeños partidos de izquierda que pululan en el escenario brasileño.

Distinto es el parecer de algunos de los dirigentes del PT, cosa poco relevante dada la inteligencia estratégica que continúan expresando. Según ellos, el partido debe renacer y es interesante la forma en que imaginan dicho renacimiento. Debe volver al pasado, es decir, renacer como movimiento. Un movimiento horizontal que se presente en todas los estratos de la sociedad donde se trabaja y se es explotado. Sin embargo, laa situación cambio completamente desde que el partido nació, y los procesos de explotación se extendieron sobre toda la sociedad: es a partir de ahí, entonces, que se debe accionar. Y mientras tanto, junto a la movilización social, entienden que la verticalidad de una organización es necesaria. Brasil es un continente; una acción reformadora no puede avanzar si no es por medio de un gobierno, una verticalidad mediadora que sepa colocarse a la altura de aquello que exige el país y de la tremenda complejidad de las cuestiones y desafíos que aparecen. Es por ello que estos reivindican nuevamente el hecho de que han conducido una política cualificada, hacia la revolución interna del Brasil, por haber comprendido la necesidad de una unidad continental de América Latina y por haber iniciado una alianza política intercontinental con los BRICS.

Representación horizontal, unidad continental, conexión con los países del hemisferio sur contra el capitalismo financiero: para ellos, todavía es este el cuadro en el cual renacerá el partido. ¿Qué quiere decir todo esto? El hecho de los que dirigentes no quieran discutir los eventos de 2013 y que los atribuyan a la CIA es algo bastante cómico, como ya dije anteriormente. Es necesario, aún así, admitir que en quince años esas personas transformaron Brasil y sacaron a 50 millones de personas de la pobreza. En fin, se hace necesario admitir que el PT sucumbió a su propio éxito. En realidad, lo que es diferente en la experiencia brasileña respecto a otros países, es el hecho de que la dirección del partido PT fue derrotada por la clase media que se había emancipado de una condición subalterna y que había sido construida sobre las cenizas de una clase trabajadora ya envejecida. Más que una derrota política, lo que está sucediendo en Brasil parece ser para la vieja dirección una némesis antropológica, y tal vez hasta lo sea. Es irrebatible también el hecho de que aquellas nuevas generaciones, que pudieron representar un fuerte avance en la revolución brasileña, se volvieran en lugar de eso, presas de la ofensiva de la derecha neoliberal. No se, por tanto, que sucederá con el PT. En todo caso, descarto que pueda volver a ser de nuevo aquello que fue en su momento más feliz, una fuerza capaz de ejercer hegemonía. De todas formas, no es cuestión de botar todo al tacho de la basura como insisten algunos: hay todavía mucha vida alrededor de ese partido y cualquier movimiento que quiera asumir la tarea de reconstruir una hegemonía debe tener esto presente.

Aquí se debe agregar una defensa explícita del Lula «revolucionario» y también una lectura no irrisoria de su papel como estadista. Si de hecho es inaceptable que él tenga considerado las manifestaciones de 2013-2014 como promovidas por la CIA, sin duda la iniciativa de Lula en el terreno latinoamericano e internacional para garantizar los fondos internos y el desarrollo externo del proyecto petista dañó, si no es que en parte rompió, la tela de araña construida por el comando financiero global y tal vez haya incluso insinuado una forma de acercarse a su control: construir unidades continentales homogéneas a partir de las cuales se pueda ejercitar resistencia y redefinir el poder sobre el territorio global. Quien no tenga presente esos presupuestos no comprende como el modelo y proceso de inserción de Brasil y de América Latina en el sistema global (la condición GlobAL(3)) ha avanzado. Lula intentó un camino de ruptura: unidad continental latinoamericana, apertura -con tonalidad no sólo táctica- a los BRICS, con particular interés con los más «sucios»: África del Sur, India, y sobre todo, Irán. Esta intuición de Lula (permitan que exprese mi respeto por su inteligencia revolucionaria) es leninista.

Esa es una razón más para insistir sobre el hecho de que una alternativa al PT, más allá de desarrollarse en el terreno de clase y de abrirse a la comprensión de la cuestión racial en los procesos organizativos, necesita recoger del PT aquella intuición política global (más allá de las payasadas populistas del bolivarianismo y en ruptura con el reflujo nacionalista del progresismo andino).

La reconstrucción de la izquierda

¿Movimientos de reconstrucción? No se si existen, y tampoco se si están en marcha nuevas experiencias organizativas que tengan futuro. Es cierto, en todo caso, que existe la sensación generalizada en Brasil de que hay algo nuevo en el ambiente -contrario e irreductible ante la derecha neoliberal y racista-. Es algo nuevo que va más allá de la expectativa de una crisis interna en el formato neoliberal del gobierno, suponiendo que las acciones judiciales puedan ahora generarles daños a la derecha. De todas formas, no creo mucho que algo nuevo pueda surgir de forma tan rápida. También en Brasil el ciclo neoliberal está distante de su conclusión, pero es evidente que el «golpe de Estado», más allá de golpear al PT, golpeó al sistema y a la Constitución de 1988, violentándola, lo que tal vez haya bloqueado las articulaciones y las capacidades de mediación del poder. Es aquí, por tanto, que me parece posible tener en cuenta los encuentros con los compañeros de los movimientos, atentos a la actual fase de crisis. Fueron ellos, al fin y al cabo, los que me indicaran las lineas de recomposición y de programa para reconstruir una fuerza antagonista.

He aquí los puntos más importante que obtuve para ello:

1.        La denuncia de la violencia de la policía y del Estado. Una violencia que no se dirige solamente contra la población negra, sino contra cualquier iniciativa social. Violencia institucional, una situación en que el estado de excepción se volvió norma. Deviene de una matriz colonial en la cual la normalidad de la violencia esclavista y colonialista es mantenida y desarrollada por las instituciones del Estado. En este punto, la atención unánime se concentra en el desarrollo de estrategias de resistencia que permitan evitar las condiciones de excepcionalidad sufridas. Emerge aquí una características del debate autónomo brasileño en el cual, dentro de las calificaciones de formas de lucha y de programa, la demanda por la construcción de una «política del deseo» se vuelve central. Entiéndase así las acciones políticas en las que prevalecen componente del deseo, formas de adición en las cuales los puntos motores son los aspectos creativos de hacer política. ¿Pacifismo contra la policía? Evidentemente no, pero creaciones alegres de formas de resistencia contra la violencia y la brutalidad ciega del poder son necesarias. Compréndese así porque Félix Guattari es aún tan citado en Brasil.

2.        Las luchas en curso, sobre todo en las escuelas secundarias. Luchas que engloban gran parte de estas instituciones en Sao Paulo y que también se transmitieron al estado de Paraná. Son luchas por el financiamiento público de la escuela y por la autonomía en la enseñanza. Luchas largas, ocupaciones que duran meses, conducidas por chicos y chicas y apoyadas por las familias. Esas luchas por las escuelas se unen, con bastante frecuencia, luchas de estilo argentino, parte de los movimientos feministas, juntos contra la violencia sexual y contra la violencia sobre la reproducción (reivindicaciones: garantía de ingresos, trabajo doméstico remunerado, etc). En toda la América Latina, siguen, tras la derrota de los gobiernos progresistas, sobre todo las luchas en las escuelas y las luchas conducidas por las mujeres. Se trata de nuevos frentes sociales, centrales para la lucha de clases. El conocimiento y la reproducción constituyen, de hecho, en los espacios en el que el capital debe dominar, formas directas de emergencia de un tejido biopolítico sobre el cual se da una confrontación de clase. Es allí que se abren nuevos espacios sociales de lucha anticapitalista.

3.        Y después de la lucha la población negra, principalmente contra la masacre de los inocentes, es decir, la carnicería continua de jóvenes en las periferias de las favelas. Pero la cuestión racial no emerge solamente en relación al genocidio de la juventud negra. La cuestión racial se da en todas las partes de la sociedad brasileña, construyéndose «la excepción» sobre la cual se funda la «constitución material» del país. También la cuestión de la pobreza está completamente ligada a la dimensión racial-esclavista de la sociedad brasileña. No se puede aseverar que en Brasil existe una democracia plena sin que la cuestión racial sea resuelta. Las luchas de los negros y negras constituyen, por lo tanto, la verdadera sublevación de la sociedad brasileña. Discutí con jóvenes compañeros y viejos activistas negros esta que es su conclusión: sin la dirección de una fuerza militante negra, será imposible construir cualquier forma de organización autónoma en Brasil, así como cualquier tipo de vuelta a lógicas políticas de liberación.

4.        Las principales fuerzas que hoy se mueven en el terreno social en Sao Paulo, particularmente el movimiento contra la tarifa de los transportes urbanos y el «movimiento de los sin techo», conducen a una discusión sobre un terreno instantáneamente político. Esos movimientos, protagonistas de las luchas de 2013-2014, el primero por haberla iniciado, el segundo por haberse sumado con las fuerzas de decenas de millares de familias «sin techo», son también los que tienen una consistencia numérica (cuadros de organización) y un respaldo importante de la masa. Son fuerzas que producen programa político en la ciudad y que, de una forma nueva, constituyen contrapoderes sociales en el ámbito urbano. En la discusión con esos compañeros, el tema de lo «común» es central, tornándose evidente de manera inmediata -tal y como es- por las luchas contra las tarifas del transporte y también por la vivienda. El «común» puede ser traducido -dicen esos compañeros- en objetivos inmediatamente viables. Además de eso, el debate destacó la importancia de una «huelga general» como forma de lucha que puede unificar las fuerzas que se agitan en el contexto metropolitano. Falta el hecho de que las grandes movilizaciones de masas (y pacíficas) son todavía consideradas como un arma fundamental.

5.        ¿Qué hacer? La conclusión de muchos de estos compañeros de movimiento está basado en el hecho de que el PT se tornó en una «izquierda blanca», pálida en relación a la cuestión racial y blandengue para confrontar a las políticas neoliberales. El partido perdió la relación con la sociedad y no podrá ya ser una locomotora para el desarrollo político. Hay, entonces, que encontrar fuerzas políticas y construir una nueva organización social y política partiendo de los movimientos. La autonomía de los movimientos es ahora fundamental para comenzar una nueva temporada política.

¿Y cómo? El punto central -como fue visto- será conjugar el (proyecto del) común como tema unificador de luchas. La «renta universal no condicionada biopolítica» es, en este cuadro, la trama sobre la cual pueden desarrollarse el discurso político y la movilización de defensa de la «bolsa familia» y hasta la gratuidad del transporte urbano. Siempre desde ese mismo cuadro, deben ser también destacados otros tres campos de lucha: 1) intervención sobre escuela y conocimiento; 2) sobre el trabajo de reproducción (particularmente el femenino); 3) sobre la cuestión racial y la pobreza. La primera intervención sobre escuela y conocimiento es central en la actual fase de acumulación capitalista en el territorio cognitivo. No es por casualidad que la escuela se convirtió en uno de los puntos centrales de construcción de las nuevas legitimidades neoliberales. Es por ello que las luchas en curso en el terreno de la escuela son estratégicas y en ellas se pueden construir nuevas vanguardias. Pero el discurso puede alargarse y probablemente es desde este punto de vista -el de la crítica y la intervención sobre el conocimiento- que el tema de la nueva clase media podría ser enfrentado -porque es aquí, dentro de esta composición social y productiva, que el conocimiento es, sobre todo, explorado-. La clase de trabajo intelectual y de servicios ya constituye -también en Brasil- la medida social y sobre todo es de ahí de donde se extrae la plusvalía. Respecto a las luchas sobre la reproducción, la iniciativa argentina me parece resonar también en Brasil como perspectiva para el movimiento. En lo que tiene que ver con la cuestión racial y los temas de pobreza, ya nos pronunciamos. Partiendo de Sao Paulo, tal vez  se pudiese impulsar un movimiento que convine esas diversas aunque divergentes líneas de acción. Esto fue lo que aparentemente pude comprender al interrogar a los movimientos autónomos de Sao Paulo.

[fuente: https://www.aldhea.org/]

Notas:

1 Disponible en: http://www.consuladodebolivia.com.ar/2016/05/29/disertacion-del-vicepresidente-bolivia-alvaro-garcia-linera-la-universidad-buenos-aires

2 A propósito, ver entrevista concedida por Marco Aurélio Garcia al períodico Página 12:https://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/4-112803-2008-10-05.html

3 Sobre el tema, ver libro de Toni Negri Glob(AL): biopoder e luta em uma América Latina globalizada, publicado no Brasil em 2005 pela editora Record. (Nota da Edição)

4 Disponible en: http://rosaluxspba.org/a-multidao-de-negri-o-bem-viver-de-acosta-e-um-arabe-no-centro

Conversación con Diego Sztulwark Paradigma nº 003 – Año II – 2018 – Jueves 22 de marzo Radio Eterogenia

Paradigma: Lobo Suelto publicó un artículo de Diego Sztulwark donde dice que “las derechas desean ser simples por dos razones: porque se ofrecen para canalizar frustraciones sobre la vida colectiva en el mundo neoliberal y porque aspiran a hacerlo por la vía de la comunicación”. Hoy charlaremos con Diego, y veremos cómo nos ayuda a salir de esa simplicidad. Nos parece que quizás tenemos reacciones, respuestas o resistencias un poco no correlativas con lo que es este avance y esta mutación. Diego nos propone pensar sobre esta mutación con respecto a los modelos desde los cuales nosotros tratamos de pensar o asimilar lo que está pasando con el gobierno de la alianza Cambiemos en este momento. Entonces, esos modelos -la dictadura, el menemismo- nos resultan insuficientes para poder entenderlo.

Hola, Diego.

Diego Sztulwark: ¿Qué tal? ¿Cómo están?

Paradigma: Muy contentas por retomar estas columnas en nuestra radio, y hablábamos un poco sobre cómo, gracias a varios artículos y entrevistas -en Clinämen y Lobo Suelto-, nos ayudas a actualizar nuestros mapas, a ver con mayor precisión lo que significa la mutación de estas derechas o proyectos reaccionarios y, en ese sentido, nos interesa tu enfoque del modo comunicativo que propone la derecha visto como una simplicidad o una simplificación. Nos preguntamos entonces si nuestras reacciones, o desde los lugares que estamos resistiendo o proponiendo algo alternativo, no tienen también el defecto de un cierto reduccionismo, de una simplificación, como por ejemplo responder a todo desde el paradigma de la inclusión. No sé si por ahí podemos entrar un poco a la charla.

Diego Sztulwark: Pienso que cambió mucho el panorama político en los últimos años y tal vez nos cueste organizar de nuestro lado (no sé exactamente quiénes seremos “nosotros”, pero digámoslo así para hablar rápido), del lado de aquellos que no habíamos estado cómodos durante el kirchnerismo porque veíamos que muchas de las cosas que ocurrían en ese período estaban muy por debajo de nuestras expectativas, y también muy por debajo de lo que habíamos entrevisto como posibilidad en la insurrección del 2001, ver cómo, en definitiva, lo que gobierna con el macrismo en este momento es lo peor de lo peor. Se trata del grueso bloque de clase dominante de la Argentina, de una alianza bastante compleja entre sus distintas facciones.

Esto se nos mezcla por momentos; no terminamos de hacer la crítica del kirchnerismo y ya tenemos que pensar en una crítica mucho más radical al macrismo, una crítica mucho más frontal y urgente. ¿Cómo acomodar todo esto?

En la época del kirchnerismo era muy importante demostrar que lo que se llamaba “inclusión social” era en realidad una inclusión muy parcial. Se trataba de una inclusión al interior de la economía política tal como la ideaba el neoliberalismo, a pesar de la voluntad del Estado de intervenir, a pesar de la voluntad política de poner condiciones a ciertos grupos de poder, a pesar de los avances en algunas políticas y de la retórica de los derechos sociales y los avances sobre todo en derechos humanos. Es decir, era una política que podíamos discutir muchísimo pero que tendía a reconocer, al menos parcialmente, algunas demandas sociales históricas que muchos sectores populares reivindicaban en ese momento. Nada de eso ocurre con el macrismo.

El problema que afrontamos con el macrismo es el del déjà vu: tendemos a reaccionar frente a él como si fuese un monstruo conocido, es decir, como si fuese la dictadura, como si fuera el menemismo. Y no es lo mismo.

Me parece que este último año fue muy complejo y nos hemos dedicado en buena medida a registrar eso que el historiador Enzo Traverso llama “las nuevas caras de la derecha”, es decir, el fenómeno nuevo de una derecha que por primera vez –pensando en la Argentina-, en prácticamente un siglo, se vuelve capaz de ganar elecciones. Es una derecha taquillera, que tiene sus seguidores y que convence a una parte de la población. Ya no es el golpe de Estado militar ni es el partido militar, es otra cosa.

Por otro lado, la alianza de gobierno ha mostrado una voluntad sanguinaria de disciplinamiento social, como lo muestra lo ocurrido con Santiago Maldonado, del cual hemos hablado muchísimo el año pasado (y creo que hay que seguir hablando muchísimo), pero también el posterior e infame asesinato por la espalda de Rafael Nahuel. Son dos caras o aspectos simultáneos de esta derecha, historiacamente reaccionaria y al mismo tiempo capaz de renovarse en ciertos aspectos. En el momento en que la derecha mata reconocemos algo que viene de muy lejos. Lo novedoso es el modo en que ahora hace política y suscita consenso con esos muertos. Hemos visto a la Ministra de Segurda reivindicar abiertamente una “nueva doctrina” de seguridad que consiste en el hecho de que las fuerzas armadas del orden poseen desde ahora la razón a priori cada vez que aprietan el gatillo. Esa doctrina postula que los cuerpos de seguridad del Estado están formados por funcionarios que se supone que ponen todo su empeño en custodiar una cierta idea del país fundada en la propiedad privada concertada. Esa doctrina, la doctrina Chocobar, que de un modo u otro está activa desde hace demasiado tiempo, fue reforzada y oficializada, seguida de una la serie de asesinatos policiales de chicos y chicas en todos los lugares del país. Matan y después gozan del apoyo oficial.

Entonces, enfrentamos una situación de una complejidad muy grande. Por un lado, está Cambiemos como fenómeno de innovación política, capaz de interpretar corrientes profundas de la sociedad argentina -como explica muy bien José Natanson en su libro ¿Por qué?, que trabaja un poco este rasgo de nueva derecha o derecha democrática, en el sentido de que gana elecciones e intenta pensar las nuevas singularidades-, pero también hay que pensar lo que esta derecha mantiene de su proyecto histórico consistente en disciplinar el movimiento social, el movimiento popular, en función de las exigencias inmediatas de los negocios, una derecha que no ha dudado nunca en masacrar en nombre de la propiedad. Esto da como resultado un mixto bastante extraño y bastante nuevo, hecho de continuidades y de discontinuidades, que tenemos que poder pensar. Contiene aspectos muy tradicionales que están relacionados con lo que inspiró el programa económico y el programa ordenancista de la dictadura y, al mismo tiempo, es capaz de adaptarse al mundo de las subjetividades flexibles que promueve la antropologia neoliberal cuando postula la libertad del individuo, una ética new age, mucha preocupación en el manejo de las redes sociales, en la opinión y en comunicación, es decir, muy aliados a fenómenos de esta época. Creo que tenemos que afinar una caracterización que sea capaz de comprender las dos cosas de manera simultánea.

Paradigma: A partir de tu análisis, lo que enfrenta el macrismo o la alianza Cambiemos ¿tiene que ver con lo que queda vivo de aquello que desde el 2001 se llamó los modos sociales, las corrientes sociales que podríamos denominar plebeyas? ¿Tiene una especial furia por eso? Porque es como si Menem se hubiera ocupado de lo que llamamos, para decirlo rápido, “movimiento obrero” o “gremialismo” que se entendía como la primer afrontera dura para detener el avance del plan de reformas neoliberal. Es como si el macrismo fuera un poco más allá, hacia modos de vida que son alternativos. En línea con este razonamiento ¿qué le pasa al gobierno con respecto al movimiento de mujeres, a #NiUnaMenos u #8M?

Diego Sztulwark: Cuando digo “plebeyismo” me refiero a un movimiento informe, que no refiere a ninguna categoría sociológica previa ni a ningún grupo de clase social específico, sino a esa tendencia callejera e irreverente que sucede a lo largo del siglo XX en la Argentina, y de modo muy particular contundente en octubre 45, en el mayo del 69, o e diciembre del 2001 y ahora con el movimiento de mujeres, y donde también hay que incluir el movimiento de derechos humanos.

El plebeyismo es un movimiento de desborde de la regulación burguesa de la vida, y lo reconocemos por una serie de impulsos o desplazamientos que cuestionan los códigos con que las elites contienen posibilidades de la existencia que van más allá de su propio horizonte. Se trata del aspecto libertario el que muchas veces late como impulso en la vida popular, en ciertos pensamientos, en ciertos textos. No me refiero a movimientos revolucionarios clásicos, ni a fuerzas que puedan suplantar un orden social por otro, sino a resistencias que agrupan elementos de constitución de otra sensibilidad, de otra manera de pensar, de una crítica de la economía, de la crueldad, del militarismo, del clericalismo, del control de los cuerpos. Creo que eso es bien importante.

¿Había algo de eso en 2001? Estoy convencido de que sí. Hay que dejar de pensar un poquito el 2001 de los ahorristas y mirar un poco el 2001 de los piqueteros en los barrios. Estos elementos ya aparecen, por supuesto dentro de otras formas, con otros límites y potencialidades.

¿Es el kirchnerismo un momento plebeyo? Creo que no. Populismo y plebeyismo no son lo mismo. El populismo es una organización desde arriba de lo plebeyo. En todo caso, el peronismo tuvo esa tensión en su interior desde siempre. El libro de Miguel Mazzeo sobre John William Cooke, El hereje, trabaja con mucha claridad esta tensión, la idea de una lucha de clases dentro del peronismo, entre elementos populistas y plebeyos. Lo cierto es que lo plebeyo subsiste pese a las crisis del populismo y es capaz de abrir horizontes propios, como lo vemos estos últimos meses en las calles. Volviendo entonces sobre el kirchnerismo, debiéramos registrar que una cosa es la crítica de muchas de sus políticas, sobre todo la del formato estatalista que se le dio al plebeyismo, la adecuación de lo político a la gestión de la acumulación de capital, y otra cosa es la crítica que le hace la derecha, que refiere justamente al asco y al miedo que les provoca el contacto con lo plebeyo que el kirchnerismo supo tener en determinados momentos. O sea que es probable que la plebe sea un fenómeno en evolución, crecimiento y cualificación de estos elementos que antes enumeramos, y que irrumpe en un momento muy concreto, cuando el sistema político no ofrece en absoluto ninguna otra alternativa que la discursiva al bloque en el poder, en este caso al poder macrista.

Tal vez valga la pena abordar el movimiento de mujeres -contenedor de una cantidad enorme de movimientos y grupos de diferentes identidades o prácticas de lo sexual, lo vital y lo político- como un momento de herencia del legado de lo plebeyo particularmente rico. Esto me parece evidente cuando se percibe la composición del movimiento pero también cuando se repara en el documento que se leyó el 8 de marzo en Plaza de Mayo. Se trata de un programa muy plural y abarcativo que contiene todo un desarrollo, una cartografía muy actual de problemas y de potencias colectivas de este momento. Y de nuevo, el elemento plebeyo aparece como un impulso libertario contra las formas de masculinidad dominantes en el patriarcado; como un desborde del deseo con respecto a cómo el patriarcado define los géneros y la vida amorosa. El elemento plebeyo discute qué es la vida que se da en la economía, en el trabajo, en las casas, en las instituciones. El feminismo popular, vivo en las pibas de los barrios, hereda y recrea esta dinámica libertaria.

Paradigma: Me hace pensar en algunas cosas que trabaja el colectivo Juguetes Perdidos, y algún texto del Diego Valeriano, con respecto a si se puede plantear que esos movimientos plebeyos tienen una cosa como a lo que ellos llaman el raje. A esos movimientos plebeyos se les demanda o se les cuestiona el no tener una organización para oponer o una polarización para enfrentar, sino que es algo que se escapa del orden dominante. Por eso pienso en la cosa del raje, el raje callejero, en ese sentido. ¿Cómo lo ves?

Diego Sztulwark: Si uno se pone a escuchar algunos relatos de pibes y pibas, el “raje” es muy visible, muy constante, y al mismo tiempo inspirador, muy motivador. Al mismo tiempo creo que hay que pensar muy bien el hecho de que este movimiento plebeyo es capaz de operar al interior, de manipular hasta cierto punto desde el interior de las categorías de la dominación. No solamente es raje hacia afuera, también es raje hacia adentro. Durante el kirchnerismo, el movimiento plebeyo se metió adentro de la economía y manoteó todo lo que pudo. Quizás ahora, en plena retracción “gradualista” pase un poco lo mismo. Esta zona que el macrismo llama “emprendedurismo” tiene una cierta zona gris respecto de las economías populares que cuentan con una topología muy ambigua: operan muchas veces dentro del formato neoliberal, empresarial, y por otro lado se trata de “trabajo vivo” –como decía Marx- que hace su experiencia de saber hacer, de plebeyismo social, que está siempre lindando el desborde y actuando de un modo muy pragmático, muy extramoral, “tratando de ver por dónde”.

Esa ambigüedad se roza con otra, aquella que algunos llaman “autonomismo”. Se trata de una ambigüedad respecto del capital. El autonomismo es el mayor crítico, el mayor antagonista, y al mismo tiempo es el que más se le yuxtapone, el que más se le parece puesto que entre ambos hay una zona de contacto, ya que el capitalismo siempre permanece en el intento por comprender cuáles son las formas en las que la sociedad crea valor autónomamente para explotarlo, y el “autonomismo” siempre intenta que esas formas se autonomicen de la regulación del capital. Esto produce un punto de encuentro. Y en ese punto de encuentro, quizás, se juegue eso que estamos llamando lo plebeyo, en torno a las figuras que crean valor y que no son sumisas al mando del capital. Ese es el corazón del asunto. El movimiento plebeyo, huyendo y pervirtiendo el mando que pesa sobre él, crea valor, crea ciudad, crea barrios, crea formas de amar, crea estéticas, crea lenguajes, crea afectos, crea códigos, crea belleza, y el capital lo que hace es intentar explotar eso. Exactamente eso es la lucha de clases: el modo como se montan estructuras de capturas para apropiarse del valor colectivo.

Paradigma: Entonces, cuando desde la lectura del kirchnerismo se imagina que se votó a Macri o al neoliberalismo como a lo contrario o a algo que estuviera en contra de sí mismo, vos decís que eso que propone el kirchnerismo no se lee tan cómodamente.

Diego Sztukwark: Me parece que el kirchnerismo tiene una serie de límites muy claros para comprender lo que ocurrió bajo su gobierno en esa zona de articulación entre economía política y plebeyismo. Es decir, frente a toda esta idea de fomentar el consumo, de incluir al movimiento callejero y plebeyo dentro de la economía política, me parece que no encontramos el modo eficaz de apoyarlo y criticarlo al mismo tiempo: apoyar por lo que tiene de contenido democrático (la inclusión extendida de la población en el consumo) y criticar para evitar las formas de subjetivación más neoliberales y coloniales implícitas en esa inclusión. No se pudo ver hasta qué punto podía haber una cierta continuidad posible entre kirchnerismo y macrismo en la experiencia popular. No es una continuidad total, sino una continuidad parcial e indirecta, nada lineal, es cierto, pero aún así me parece que hay que pensarla.

En la medida en que se decide promover la incorporación del movimiento popular dentro de las economías de mercado, de sus categorías, luego uno no se puede decepcionar ante el hecho de que las estrategias de todas las clases sociales incorporen esa racionalidad neoliberal. Y aún cuando esto sea así, me parece de una insoportable arrogancia ilustrada reprocharle al movimiento popular el no saber leer sus intereses. Es infinitamente más inteligente tratar de entender por qué las racionalidades se orientan a leer ciertas continuidades, ciertas alternativas bajo determinados contextos. No para aceptarlas, no para apoyarlas, pero sí para partir de un piso de sensatez. De otro modo, ¡habría que aceptar como punto de partida la idea miserable de que cierta intelectualidad progresista sabe más sobre la vida de la gente que la gente misma!

Paradigma: Sobre el texto que publicaste sobre la caracterización de la derecha, me interesa pensar lo referido a lo “emprendedor”. Si el kirchnerismo fue una voluntad de inclusión, el macrismo platea la figura del emprendedor . ¿Esa subjetivación del emprendedor pierde la idea de la lucha de clases contra otros, contra un enemigo, y mete una interioridad del emprendedor como una autorrealización? Me parece que hay algo del emprendedurismo en Trump, habla como Kiyosaki, textos que son muy comunes, Padre rico, padre pobre. Es la lógica del emprendedor que es como una pastoral de emprendedurismo, que Macri expresa, pero que es a nivel mundial.

Diego Sztulwark: Sí, quizás haya que partir de lo que fue la derrota del socialismo en 1989. Estamos ante la arrogancia de la unipolaridad neoliberal y la reconfiguración del heroísmo social en términos de emprendedor o empresario. El emprendedor individual que innova como modelo general, es un modelo universal que parece gozar de un prestigio formidable. En este punto vuelvo a lo anterior. Tal vez se trate de poder pensar una zona de ambigüedad donde “empresa” no quiere decir exactamente enajenación, alienación, modelización neoliberal de la vida, sino más bien de aquello que convive con zonas de resistencia.

La reacción popular de los días 18 y 19 de diciembre del año pasado por el proyecto de reforma del sistema jubilatorio, la gente soportando la represión salvaje, los cacerolazos, la crisis política que esto le generó al macrismo durante meses, ¿cómo explicarlo con la hipótesis de que la gente se ha vuelto estúpidamente emprendedora y ya no tiene capacidad crítica ni capacidad de acción colectiva? Quizás haya que pensar que hay emprendedurismo y plebeyismo en simultáneo. Quiero decir que no me pasaría por alto toda una historia de luchas sociales que tienen sus propias líneas de evolución, sus propias líneas de desarrollo, incluso a nivel insurreccional, como ya lo hemos mencionado. Olvidar esta historia, este polo plebeyo, es caer en una mistificación neoliberal de lo popular, puesto que el propio emprendedor, en la medida en que su propia experiencia de la cooperación social entra en contacto con la de la explotacion y la violencia social, con la de la crueldad social, está inscripto en un campo social mucho más complejo que esta mistificación que se hace del mundo liberal de lo emprendedor.

Me pregunto si no es más adecuado pensar a la vez el éxito del capitalismo al ofrecer un código (los llamados “axiomas” por Deleuze y Guattari) de desarrollo para las personas y grupos, y al mismo tiempo los momentos de descodificación, cuando lo plebeyo surge como fuerza social y política. Me parece que esta coexistencia hay que pensarla y remito de vuelta al #8M, donde cientos y cientos de miles de mujeres y chicas de realidades completamente diferentes dicen con todas las letras lo que piensan de este momento del capitalismo argentino, de este momento del poder político argentino. No estamos hablando de un grupo ilustrado, estamos hablando de una composición social bien compleja.

Insisto en que la bibliografía del emprendedurismo es bibliografía no crítica, es bibliografía mistificada. Es eficaz, pero mucho más eficaz sería una bibliografía que pueda combinar la fuerza del emprendedurismo con la fuerza plebeya de la resistencia que la recorre por adentro.

Fuente: Luis Hessel/El Furgón – En el año 1982, el intelectual, psicoanalista y activista francés Felix Guattari (1930-1992) viajó a Brasil y entrevistó a Luiz Inácio Lula da Silva, joven candidato a gobernador del estado de Sao Paulo por el recién conformado Partido Dos Trabalhadores (PT). En medio de la convulsión actual que sacude a Brasil, entre la complicada situación judicial del ex presidente y la posibilidad de una candidatura que lleve nuevamente al PT al poder, recuperamos el diálogo que Guattari mantuvo con un Lula, preocupado entonces por la construcción de un partido de izquierdas alejado de los políticos tradicionales, la burocratización y las decisiones tomadas desde arriba.

La micropolítica tropical

Guattari visitó Brasil en siete oportunidades durante los últimos catorce años de su vida. La primera vez fue en 1979, motivado por las insistentes invitaciones de una antigua colaboradora brasilera: Suely Rolnik. Se conocieron cuando ella se exilió en Europa en los tiempos en que las dictaduras militares desangraban Latinoamérica. Había sido detenida en 1970 mientras estudiaba ciencias sociales y al recobrar su libertad escapó inmediatamente del país. Al llegar a Paris, se diplomó en Filosofía y Sociología en la Universidad de Vincennes. Allí asistió a las clases de filosofía de Gilles Deleuze y a los cursos del antropólogo anarquista Pierre Clastres. También estudió en la carrera de Ciencias humanas clínicas en la Facultad de filosofía de Paris 8, creada después de Mayo de 68′ con una fuerte influencia del psicoanálisis, el esquizoanálisis y de experiencias como La Borde.

Felix Guattari se ligó desde temprana edad al ala más radical del comunismo francés, participó de experiencias alternativas en salud mental como la clínica La Borde, donde desarrolló importantes aportes a la psicoterapia y al análisis institucional, que quedaron plasmados en el libro Psicoanálisis y Transversalidad. En sociedad con el filósofo Gilles Deleuze, a quien conoció durante los días de Mayo de 1968, escribieron obras como El Anti Edipo, Mil Mesetas y ¿Qué es la filosofía?, entre otras, que se ubicaron entre las más originales del pensamiento contemporáneo. Pero fue para ambos la revuelta del Mayo Francés el hecho que terminó transformando su escritura, su militancia y su vida para siempre. Durante esos días de furia presenció la irrupción de lo que conceptualizó como la “micropolitica”; la capacidad de resistir cotidianamente el poder y sus instituciones, no sólo para cambiar la sociedad sino la vida misma. Era el fin de las creencias en el paradigma bolchevique. El fantasma de la revolución molecular recorría Europa.

¿Qué tenía Brasil para ofrecer al padre del esquizoanálisis? “Cuando llegué aquí la cosa tomó proporciones de una envergadura que no imaginaba. Fui literalmente capturado por todo tipo de grupos. Suely había organizado encuentros con escuelas alternativas, movimientos gays y feministas de varias tendencias, gente interesada en montar radios libres, varios grupos de experiencias alternativas en psiquiatría y grupos del PT preocupados por la cuestión de la autonomía”, recordó.

Guattari encontró en el país sudamericano todo lo que buscaba. En el campo de las ideas, sus trabajos ya eran estudiados gracias a la labor iniciada por el psiquiatra y psicoanalista Gregorio Baremblitt, exiliado argentino, fundador (posteriormente) del Instituto Felix Guattari de la ciudad de Belo Horizonte y a las iniciativas -ediciones, difusión, discusiones dentro de las instituciones universitarias y fuera, creando el movimiento internacional de- que impulsó Suely Rolnik.

Pero lo más importante para él, fue que en el campo de lo político tenía frente a sus narices toda una multiplicidad de nuevos actores, colectivos e identidades transversales que trazaban la cartografía de una nueva izquierda: campesinos sin tierra embanderando la reforma agraria, comunidades eclesiásticas de base, pueblos indígenas, colectivos lésbico-gay, obreros fabriles, artistas, intelectuales y militantes de la anti-psiquiatría.

El encuentro

La entrevista entre Guattari y Lula tuvo lugar el 1° de septiembre de 1982, en una parada de la gira de campaña a gobernador del líder metalúrgico. El encargado de la organización del encuentro fue el historiador Mario Aurelio García -compañero y asesor personal de Lula hasta su repentina muerte en 2017- junto con la psicoanalista Suely Rolnik. Ella fue quien había propuesto a Laymert preparar la entrevista y, tal como ella cuenta, lo hicieron en una bella casa de fin de semana con vista al mar. El reportaje fue también publicado por el PT bajo el nombre “Felix Guattari entrevista Lula”, y posteriormente, formó parte del libro Micropolítica, Cartografías del deseo, de Guattari y Rolnik, del cual extraemos algunos pasajes.

-Guattari: El PT nació del flujo del movimiento de Sao Bernardo, después de que la clase obrera industrial dio pruebas de su capacidad para comprometerse en luchas políticas de envergadura, a las que podrían asociarse el conjunto de los miembros de la clase obrera, así como las clases medias, los intelectuales, etc. Sé que el PT también se preocupa por los intereses de los campesinos; incluso formuló el primer y auténtico programa de reforma agraria de Brasil. Pero ¿acaso el PT no sigue siendo esencialmente un “partido de ciudades”? ¿De qué bases de apoyo dispone en el campo?

-Lula: Yo diría que proporcionalmente el PT es más fuerte en el campo que en las ciudades. Principalmente en el norte y el nordeste del país. La acusación de que sólo éramos un partido de grandes centros urbanos perdió todo su sentido en la medida en que nuestro trabajo en el campo ha conocido un considerable desarrollo. Es un trabajo difícil, que se hace en condiciones financieras terribles, en el que faltan, por ejemplo, medios de locomoción, algo que en un país tan grande como el nuestro es un problema esencial. Creo, sin embargo, que por primera vez en la historia de este país estamos concretando el viejo sueño que la izquierda brasileña nunca logró realizar: la unión de los trabajadores del campo con los de la ciudad.

-El programa económico del PT prevé la reapropiación colectiva de los grandes medios económicos (bancos, complejos industriales) para liberarlos de la dominación de los monopolios nacionales y las multinacionales. ¿Esto no tendrá consecuencias sobre una cierta concepción subyacente de las futuras relaciones entre el Estado, la economía y la sociedad? A tu juicio, ¿qué forma debería tomar esa colectivización? ¿La forma de una nacionalización estatal o la de un proceso más autogestionario?

-Si tuviera que contestar en dos palabras, yo diría que las cosas se orientarían más bien hacia un sistema de estatalización. Pero hay que ser realistas y saber que los procesos de transformación no se realizan porque nosotros lo deseemos, sino en virtud de las fuerzas políticas sobre las cuales se apoyan. Si, en una primera etapa, pudiéramos hacer una nacionalización, ya sería muy importante, pero el objetivo final sigue siendo la estatalización. Pero es preciso que las cosas estén claras: esa estatalización sólo tiene sentido en el marco de un Estado democrático, en el que el pueblo puede gestionar y administrar sus industrias y sus bancos en beneficio de la colectividad, y no en provecho de las burocracias del Estado. Tenemos que ser realistas, las propuestas del PT no pueden ser utópicas; hoy no tenemos siquiera delegados sindicales, ni comisiones de fábrica. Si pudiéramos obtenerlos sería ya un paso decisivo, que podría ser continuado con otras medidas y acercarnos a alguna forma de cogestión, con acceso a la contabilidad de la empresa, con poder de decisión para discutir los proyectos y las inversiones. Luego llegaríamos a una etapa de nacionalización y acumularíamos fuerzas para pasar por fin a la de estatalización. Es como si tuviéramos que subir una escalera de 16 escalones: si no los subimos de uno en uno corremos peligro de caernos y rompernos una pierna. No queremos que la sed nos precipite. ¡Queremos matar nuestra sed! Y por eso hay que tener cuidado.

-¿De modo que no ves, en lo alto de la escalera, un modelo de tipo soviético, o chino, o cubano?

-No, de ninguna manera. ¡Ni siquiera francés, o sueco!

-¿También piensan crear radios libres que no estén bajo la dirección ni del Estado, ni de los partidos, ni de los grupos comerciales?

-¡Ojalá estuviéramos en condiciones de crear medios alternativos! Ya llegaremos, creo. Pero hay que entender que estamos en Brasil y no en Europa. ¡Es otro universo, otra formación política, otra experiencia de lucha! Pero creo que llegaremos a esa situación, porque es la única manera de liberarnos de la dependencia de los medios oficiales.

-Actualmente, el PMDB (Partido del Movimiento Democrático Brasileño) intenta ejercer un chantaje sobre el cuerpo electoral, con su campaña llamada del “voto útil”, proclamando que el PT no tiene madurez suficiente y que sus dirigentes no tienen competencia real que justifique su pretensión de administrar los asuntos del país. ¿Podría este tipo de argumento tener cierto impacto sobre la opinión pública?

-Creo que puede tener cierto peso en el electorado. En primer lugar, porque la experiencia de participación política de nuestro pueblo es todavía muy restringida. A lo largo de nuestra vida, y desde la proclamación de la República, hemos sido tratados como una masa manipulable. El pueblo siempre ha sido inducido a pensar que no tiene la menor posibilidad de autogobernarse y que es necesario que alguien lo dirija. En segundo lugar, por los prejuicios de clase que existen en nuestro país. Muchos sectores de las clases medias, en particular las capas elevadas de esas clases, y el conjunto de la burguesía nacional, consideran que la capacidad de las personas se mide por la cantidad de diplomas o por las ganancias que acumulan en el banco, o por sus propiedades, o sus títulos bursátiles, etc. Una de las grandes tareas del PT es desmitificar precisamente ese error histórico y demostrar que la administración de un Estado no es una cuestión técnica, sino lisa y llanamente una cuestión política.

-¿Y el peligro de una intervención directa de los militares?

-En un país dirigido por militares siempre existe el riesgo de que la represión militar se acentúe. Y el riesgo subsistirá hasta que el pueblo no se organice y tenga conciencia política. Por eso en el PT decimos que lo más importante es organizar a la clase trabajadora. Luego tendrá que decidir por sí misma su destino.

A medida que la entrevista avanzó Guattari se movió con mayor naturalidad. Era un encuentro entre dos militantes políticos. Fraterno pero sin pruritos. La variedad de temáticas no pareció asustar a Lula; incluso Felix no se privó siquiera de consultar al líder petista sobre su opinión de situación la Argentina.

-¿Cuál fue la posición del PT durante la guerra de Malvinas?

-El PT se pronunció contra la demostración de fuerza de Inglaterra, pero también contra la dictadura de los militares argentinos. En el PT creemos que el general Galtieri trabó esa operación para hacer que el pueblo argentino olvidase sus problemas internos: los 30.000 desaparecidos, la inflación del 150 por ciento, etc. Resultado: nada se resolvió en el plano interno y Argentina salió del asunto completamente desmoralizada. Lo más grave de todo esto son las vidas humanas perdidas que nunca serán recuperadas. De todas maneras, esa guerra dejó perfectamente claro lo siguiente, los países desarrollados siempre se apoyarán mutuamente, en lugar de ser solidarios con los países subdesarrollados. Un buen ejemplo de eso fue Estados Unidos, que, aunque sea el acreedor más importante de Argentina, no dudó en abandonar a ese país para sostener a Inglaterra.

-¿Apoyas la consigna “Las Malvinas son argentinas”?

-Fue algo muy debatido en el seno del PT. Lo discutimos durante todo un día. Mi posición es que las Malvinas pertenecen a Argentina.

-Si no entendí mal, no aprobaste la posición defendida por gran parte de la izquierda argentina sobre esa cuestión.

-No. Incluso me invitaron a participar de una reunión en Perú en la que distintos sectores de la izquierda argentina —incluidos los Montoneros— proclamaron su intención de volver a Buenos Aires para apoyar al general Galtieri. Me negué a aceptar la invitación. En ningún momento el PT apoyará, no ya la guerra de Malvinas sino al general Galtieri. Con la izquierda latinoamericana —sobre todo con la izquierda ligada a los partidos comunistas argentino y brasileño—, ¡uno nunca sabe si estamos a la izquierda o a la derecha!

Otras de las temáticas que más preocupaban a Guattari se vinculaba directamente a la necesidad de construir organizaciones de nuevo tipo, a tono con ese debate Lula se adentró a describir la estructura de funcionamiento de su fuerza: “Pese a todas sus imperfecciones, el PT ha logrado crear un sistema de núcleos de base que garantizan que todas las decisiones pasen por un proceso de discusión a nivel local y de manera que las instancias nacionales siempre puedan disponer de una representación exacta de lo que piensa en realidad el conjunto del partido”.

-¿Con respecto a esto, no tienes la impresión de que, dentro del PT, coexisten igualmente muchos componentes militantes tradicionales, dogmáticos? ¿No están evolucionando, también, hacia su lado los viejos grupos sectarios que entraron en el PT?

-La tendencia, antes que cualquier otra cosa, es a que se “disuelvan” en el seno del PT, sin que haya, sin embargo, “patrullas ideológicas”. Cuanto más numerosos sean los trabajadores dentro del partido, menos motivos habrá para la supervivencia de tales tendencias.

-¿Cómo se ve a los intelectuales en el seno del PT? ¿Hay nuevos tipos de relación entre ellos y el movimiento social? Pienso, por ejemplo, en los que se instituyeron en Polonia en el seno de Solidaridad.

-Un hecho muy importante dentro del PT es la mistificación de la distancia entre el intelectual, el estudiante, el campesino y el trabajador. El PT ha acercado a las personas, ha creado nuevas relaciones de fraternidad y ahí se sienten mucho más iguales. Creo incluso que una de las razones del gran éxito de nuestro partido tiene que ver con el hecho de que en su seno no hay divergencia alguna fundada en la posición social o el origen de clase de sus miembros. En realidad, ese tipo de prejuicio existía menos en el seno de la clase obrera que en los demás sectores de la sociedad. Creo sinceramente que dentro del PT las personas viven libremente.

-Para mí, Solidaridad en Polonia, el PT en Brasil, son experiencias a gran escala que intentan inventar nuevos instrumentos de iniciativa y de lucha colectiva, así como una nueva sensibilidad y una nueva lógica política y micropolítica.

-La gran fuerza, la mejor arma del PT es justamente esto —el no dogmatismo—, porque el dogmatismo es parecido en todo el mundo… Por ejemplo, cuando fui a Italia, participé de una reunión con el grupo Manifesto, y allí también pudimos percibir con mucha claridad que las personas son adoctrinadas por sus manuales. Y sólo después llegan a la práctica. Sin embargo, nosotros creemos que la práctica debe estar estrechamente ligada a la teoría. Si no, no tiene ningún sentido. No nos interesa discutir la teoría, si el pueblo mismo tampoco está dispuesto a discutirla. Antes es preciso despertar su interés. ¡Es evidente!

Somos conscientes de que la lucha del PT y la lucha de la clase obrera no terminarán con el proceso electoral, que, en realidad, para nosotros representa un paso más en la organización de la clase obrera. Ésta es la única razón por la que aceptamos asistir a las elecciones y decidimos presentar nuestros candidatos.

Al despedirse de su amiga Rolnik, Guattari le vaticinó: “Si ustedes continúan al ritmo en que están comprometidos en esta suerte de transformación de Brasil, tal vez ustedes acaben marcando el camino de las revoluciones moleculares”.

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¿Es posible leer la coyuntura política, no simplemente como una disputa entre distintos grupos por el poder, sino como un choque entre diferentes percepcionesde la vida social, entre diferentes sensibilidades de la vida en común?

Vamos a ensayarlo tomando apoyo en el sugerente concepto de “pedagogía de la crueldad” propuesto por la antropóloga  Rita Segato. Lo explico muy resumidamente a continuación.

En nuestras sociedades, la vida se vuelve cada vez más precaria: la indefensión y la desprotección son tendencias generales, transversales.

El capitalismo hoy no mira simplemente por su reproducción regulada, sino que busca incesantemente la conquista de nuevos territorios objetivos y subjetivos: nuevas tierras y nuevas capas del ser que explotar. Es un capitalismo de rapiña.

Esta conquista permanente requiere, no sólo de la abolición de las viejas regulaciones y protecciones (fruto muchas veces de las luchas de la gente de abajo), sino de una insensibilización radical.

En la guerra de todos contra todos, la competencia general y el sálvese quien pueda, el otro debe percibirse ante todo como obstáculo o amenaza: como enemigo.

El principio de crueldad es la disminución de la empatía: el otro es desechable y prescindible, ningún hilo me une a él, nuestros destinos no tienen nada en común.

Hay toda una “programación neurobélica de la baja empatía” en nuestras sociedades. Y la violencia aquí es clave como herramienta: lanza el mensaje aleccionador de que el otro (mujer, viejo, migrante, pobre, negro, disidente) sobra, es eliminable.

Lo que sostiene pues las políticas de precarización de la vida es una cierta configuración (o desconfiguración) de la percepción y la sensibilidad. Estas son asuntos políticos de primer orden, pero los análisis de coyuntura no reparan apenas en ellas, enfocados más bien en reseñar las maniobras partidistas y las intrigas palaciegas, las relaciones de fuerza entre organizaciones y facciones, el estado de los sondeos y la “opinión pública”. Es necesario y urgente dotarse de unasensibilidad poética sismográfica para adentrarse y describir este plano de realidad.

Derechización afectiva

Se ha repetido mucho. El 15M ha funcionado como un “cortafuegos” del ascenso del populismo derechista que se extiende a nivel micro y macro por toda Europa: Frente Nacional, Brexit, Alternativa para Alemania, Pegida, Liga Norte, Casa Pound, Amanecer Dorado.

Pero, ¿qué tipo de “cortafuegos” era? Por nuestra parte, hemos insistido en pensar y describir el 15M como un efecto de sensibilidad. Un fenómeno de sensibilización colectiva. A partir de mayo de 2011, se desplegó un poco por todas partes en la sociedad una especie de “segunda piel” en y por la cual se sentía como algo propio y cercano lo que les sucedía a otros desconocidos.

Esto no quiere decir que todo el mundo estuviese presente en cada desahucio en los barrios, en cada acompañamiento de un migrante sin tarjeta sanitaria, en cada encierro en un colegio amenazado de recortes, sino más bien que había un clima social general que abrazaba, conectaba y amplificaba cada acción, cada iniciativa. El 15M creó un común sensible en el que era posible sentir a los otros y con los otros, como semejantes.

Esa piel se ha retirado o adormecido, debilitada en buena medida por una “verticalización” de la atención y el deseo, depositados y delegados durante el “asalto institucional” en la promesa electoral de la nueva política. Cautivados por los estímulos que venían de arriba (tele, dirigentes, partidos), descuidando mientras lo que sucedía a nuestro alrededor, la piel se rajó.

En realidad no hemos salido de ninguna crisis: simplemente se ha perdido elcontacto sensible entre los “hundidos” y los “salvados” (o quienes se creen salvados de momento). La retirada del “cortafuegos” 15M deja vía libre a las fuerzas que están siempre ahí: la profundización y consolidación de la precariedad existencial general, la guerra de todos contra todos y el sálvese quien pueda.

El veneno de la amargura que anida en cada cual por tantas humillaciones recibidas en el cotidiano -sean grandes o pequeñas, reales o imaginarias- se convierte en el aguijón del resentimiento victimista que circula hoy a placer por las redes sociales entre zascas y booms.

La “derechización” de que se habla últimamente, sobre todo a raíz de lo que ha “despertado” el conflicto en Catalunya, no es en primer lugar una cuestión ideológica, identitaria o política, sino una crispación social y afectiva. Un endurecimiento de la percepción y de la sensibilidad.

El fondo del contenido de las banderas españolas que aún se pueden ver en los balcones (ya hasta el Mundial…) es el miedo, la amargura, la soledad, un deseo reactivo de orden, consumo y mano dura contra todo lo que se desvíe o desestabilice la ficción de normalidad, con el anti-catalanismo como elemento aglutinador primario.

Es sin duda Ciudadanos el partido que de manera más desenvuelta agita hoy esa “pasionalidad oscura” (Diego Sztulwark) con el fin de recogerla más tarde electoralmente y hacer de ella la base del proyecto político de convertir la sociedad en una empresa total. Donde sólo haya lugar para los ganadores, donde no tengan lugar los adversarios (destituidos como interlocutores mediante la represión, la censura y la criminalización), ni tampoco las “anomalías” (como los centros sociales en las ciudades o los manteros).

En ese fondo oscuro y crispado aparecen sin embargo voces y movimientos que convocan otra sensibilidad, activan otra percepción y abren otra piel. Sin ningún ánimo exhaustivo o totalizante, voy a centrarme en tres ejemplos (hay más). El 8 de marzo, la voz de Patricia Ramírez, madre del “pescaíto”, las movilizaciones en torno a la muerte de Mame Mbaye.

El mandato de masculinidad

Según Rita Segato, la primera expresión de la pedagogía de la crueldad es la violencia machista. El capitalismo de rapiña instala un campo de batalla en el cuerpo de las mujeres.

En la precariedad general, la posición del hombre está fragilizada: no puede proveer, no puede tener, no puede ser. Pero al mismo tiempo tiene que probar que es un hombre. Los varones estamos sometidos a un “mandato de masculinidad” que nos obliga, para ser, a demostrar fuerza y poder: físico, intelectual, económico, moral, bélico, etc. El mandato de masculinidad se traduce hoy así en un mandato de violencia.

La violación no es erótica o de placer, sino una demostración de poder. El poder del impotente, ansioso por demostrar que es, que sigue siendo un hombre. Es un mensaje que manda un hombre a otros hombres: puedo, soy capaz, soy dueño de las vidas. No es un hecho excepcional, cosa de algunos varones monstruosos o “psicópatas”. Se asienta en una base compuesta de mil violencias cotidianas y transversales: en el espacio público y en el íntimo, en la calle y en casa, en el trabajo y en las relaciones.

La mujer no es simplemente un cuerpo-víctima de la violencia. Lo que se agrede en ella es precisamente su fuerza insumisa al mandato de masculinidad, la capacidad de creación de vínculos, de lazos, de redes, de complicidades, de empatía y de comunidad.

El 8M visibilizó a miles de mujeres en todo el mundo diciendo basta. Sus cánticos y pancartas pueden leerse como un registro detallado de las mil violencias cotidianas que habitan la “normalidad”. No se vuelve a ella igual después de haber vivido una jornada así excepcional, sino más enredadas y más fuertes. El 8M sólo es la cresta de la espuma de una ola de fondo que empuja para cambiar completamente la vida cotidiana, ese “caldo de cultivo” de la violencia más espectacular que vemos en las noticias.

Y puede asumirse también como ocasión por los hombres que desean desobedecer el mandato de masculinidad y salir de ese bucle funesto entre la indigencia existencial extrema y la obligación de demostrar poder. Como una invitación a la metamorfosis.

Las acciones bonitas

La desaparición y la búsqueda de Gabriel Cruz, el “pescaíto”, ha sido un fenómeno altamente mediatizado.

Los medios de comunicación y las redes sociales son hoy -sobre todo de un tiempo a esta parte- los vehículos privilegiados de la pedagogía de la crueldad. Las tendencias a la espectacularización (el morbo), la simplificación de la realidad (el zasca) y la polarización social (la lógica de bandos, buenos y malos) los atraviesan transversalmente. Pero da igual que la realidad se instrumentalice a favor de la derecha o de la izquierda: se contribuye en cualquier caso a la destrucción de la sensibilidad, el pensamiento y la autonomía.

Pese a todo, los medios y las redes facilitaron durante varios días la activación de mucha gente que ayudó en la búsqueda de Gabriel o quiso hacer sentir de algún modo a su familia calor y solidaridad. El apoyo se trastocó en odio al conocerse la identidad del asesino: mujer, extranjera, de color. En este contexto,  la voz de Patricia Ramírez, madre de Gabriel, resonó como salida de otro mundo, cuando en realidad provenía del amor más común que existe: el amor de madre.

Su mensaje principal: no poner el foco en la rabia y el enemigo, sino en la solidaridad y las “acciones bonitas”. Desplazar la atención hacia los gestos de apoyo que habían “sacado lo mejor de las personas” durante aquellos días. Que lo que permanezca, en el sinsentido absoluto de la muerte de Gabriel, sea el recuerdo cálido del abrazo social. “Porque otras personas lo van a necesitar en el futuro”.

¿De dónde sacaba Patricia las fuerzas para no dejarse envenenar por el deseo de venganza? Es la pregunta que le hacían los periodistas una y otra vez, perplejos e impresionados. Y ella respondía siempre lo mismo: “en honor al pescaíto, él no era así y yo tampoco”. Es decir, no es que Patricia haya conservado la “sensatez” y la “cabeza fría”, como si los afectos llevasen directos al odio y la rabia y sólo “la razón” pudiese contenerlos. Es la típica visión masculina. En realidad es justo al revés: la voz de Patricia salía del amor hacia su hijo, del agradecimiento hacia quienes se habían movido por él y del deseo de que su recuerdo no quedase asociado a la rabia vengativa. De los afectos.

Palabra precisa y preciosa, cargada de humanidad y ternura, rica en metáforas muy físicas (relacionadas muchas veces con el agua: el río abierto, la marea de solidaridad, la resaca de dolor…), la voz de Patricia ha conseguido desarmar por momentos la voracidad de los medios de comunicación y las redes sociales, basados en las lógicas de espectacularización, simplificación y polarización social.

Y nos ha dejado caer, indirectamente y como de regalo, algunas indicaciones que cada cual puede convertir en modos de resistencia a la destrucción de la empatía y de cultivo de otra sensibilidad: estar con los que nos quieren (“muy juntitos”), buscar la intimidad y el silencio, agradecer el cariño, transformar los afectos reactivos en afectos activos, evitar la instrumentalización, no dejar que otros hablen en nuestro nombre, no tomar excesivo protagonismo, “mirar siempre dentro del corazón”.

Guerra entre pobres

Sin lugar a dudas, a Mame Mbaye le ha matado un sistema de maltrato cotidiano que,  como explica muy claramente Sarah Babiker, inyecta a diario el miedo, cercena la felicidad y enferma, destruyendo el derecho humano a la despreocupación, el descanso y la serenidad.

Ese sistema de maltrato cotidiano -ley de extranjería, desigualdad económica, redadas policiales, etc.- es justamente la “pedagogía de la crueldad”. Más que perseguir objetivos concretos, como la erradicación de la manta, lo que se busca esproducir insensibilidad: marcar y hacernos ver al otro como otro, distinguir entre los hundidos y los salvados, entre los que están dentro y los que están fuera, cortar la empatía y toda solidaridad posible.

Atizar una guerra entre pobres, cuando en realidad el colectivo mantero sólo es la punta más extrema de las tendencias generales de las que hoy nadie está a salvo: la precarización, desprotección e indefensión de la vida.

Un día después de la muerte de Mame Mbeye, los discursos que se improvisaron en la concentración de la plaza Nelson Mandela de Lavapiés mezclaban la digna rabia (por una muerte intolerable) y las palabras que apelaban una y otra vez a la igualdad, a la humanidad común, a la empatía. Contra el mandato de crueldad: no sentir, no sentir con otros, no con-moverse.

Los oradores hablaron nada menos que en tres lenguas (inglés, francés, español), mostrando así de pasada la potencia que hay en las vidas migrantes: la energía, las capacidades y los saberes que habitan en estos cuerpos acostumbrados a los trayectos más difíciles, al aprendizaje y la realfabetización constantes, a la creación de redes de apoyo y complicidad.

No sólo son pobres o víctimas que merezcan nuestra compasión, sino que en ellos habita una gran riqueza, un gran potencial que nuestra sociedad no sabe ni quiere acoger. Como recordaba Malick Gueye, portavoz del sindicato de manteros, Mame no era sólo un “mantero”, sino una persona implicada en la pelea por derechos sociales y un artista, al que no se permitió ejercer su profesión en España.

Lágrimas felices

Lo confieso:

Se me saltaron las lagrimas el 8M viendo a primera hora de la mañana un “piquete” de chicas sub16 (y chicos, a la zaga) recorriendo el barrio, con energía a chorros e infinita lucidez en sus consignas.

Se me saltaron las lágrimas escuchando a Patricia Ramírez pidiendo a la gente que “se sacase a la bruja de la cabeza” y recordase más bien las «acciones bonitas» que tuvieron lugar durante la búsqueda de Gabriel.

Se me saltaron las lágrimas escuchando a los oradores de la plaza Nelson Mandela de Lavapiés apelar, sólo un día después de la muerte (muerte política) de Mame, a la humanidad compartida, a la igualdad de todas las personas.

El filósofo y escritor George Bataille decía que hay “lágrimas felices”. No son exactamente lágrimas de alegría, sino de emoción por ver acontecer algo “milagroso”: imprevisible, inesperado, impensable, imposible pero cierto.

Es “milagroso” escuchar a quien ha sufrido el daño más grande hablar de pelear por más vida y no por más muerte, por más humanidad y no por menos, por más empatía y no por más guerra de todos contra todos.

Que se nos humedezcan más a menudo los ojos de estas lágrimas, para despertar y reactivar nuestra piel endurecida por el principio de crueldad.

Gracias Marga, Marta, Diego, Ema, Guille, Jabuti, Miriam, Juan, Leo por las conversaciones.

El repudio de un hijo es inédito porque ir más allá de un padre es un acto de otro orden; si no hubiese aparecido el 2×1, yo tampoco habría hablado.

Mariana Dopazo

Y yo decía: ¿Por qué no tengo yo un papá muerto? ¡Y listo! (…) Pero logré ir dejando eso de lado. Tomar decisiones y elegir estar de un lado que a mí me hacía mejor, me hacía más libre, un lugar que me daba menos vergüenza.

Florencia Lance

¿Por qué es tan subversivo el movimiento de derechos humanos en la Argentina?

La importancia del movimiento de derechos humanos en la Argentina no deja de sorprender. Una de sus enseñanzas más profundas y perdurables es la capacidad de reescribir las alianzas y las filiaciones que tejen lo social. Las Madres de Plaza de Mayo han operado una radical liberación del rol parental respecto de toda sumisión a las figuras de mando en el campo social (¿cómo no ver en esta insumisión una expresión de la lucha de clases en la Argentina posterior a 1977?). Si el encuentro subversivo entre figuras familiares y roles sociales es la línea de brujería de cada 24M, la gigantesca movilización contra el 2 x 1 de 2017 dio lugar a una última y poderosa insubordinación: habilitó la emergencia de una nueva figura subjetiva, la de “ex hijx”. Cada 24M se suman nuevas voces a la Plaza, y este año es imposible no conmoverse con el coraje de testimonios como el de Mariana Dopazo –ex hija de Etchecolaz– cuando pregunta «¿Cómo hacés para tramitar que tu progenitor fue un represor y un asesino del Estado y un apropiador y un torturador y un vejador? Puertas para adentro es una cosa, pero no, esto es por lo que hizo afuera».

¿Por qué crece la importancia de los 24 de Marzo?

El historiador Bruno Napoli lo atribuye a la especificidad del crimen de la desaparición forzada que no deja de consumarse en el tiempo, de modo que la demanda de “aparición con vida” no cesará hasta que no haya una explicación convincente de lo que pasó con cada cuerpo y se juzguen a fondo las responsabilidades del Estado y de sus cómplices. Pero hay algo más, un plus ligado al carácter de invención política que cada 24 de Marzo recuerda y actualiza: en medio del terrorismo de Estado, las Madres de Plaza de Mayo y quienes las acompañaron crearon una manera de enfrentar el poder ya no apelando a la lógica de las armas ni al choque entre aparatos –terreno en el que la victoria de las FF.AA. sobre las organizaciones revolucionarias había sido inapelable– sino a partir de su capacidad para conmover en el plano de lo sensible.

¿Por qué afirmar que los derechos humanos en la Argentina son una política?

La dictadura efectuó una operación quirúrgica sobre el cuerpo social que abarcó dos mundos simultáneos: el del exterminio, o sea el de la lucha contra el “enemigo subversivo” que dio cohesión subjetiva a los cuadros de la represión; y el de la reconversión neoliberal de las estructuras económicas, o sea la consagración del régimen de la propiedad privada concentrada. Solo la política de derechos humanos fue capaz de erigirse como antagonista del terrorismo de Estado, tanto durante la dictadura como en democracia. Se trata de una política que creció a pesar del Estado y de los partidos políticos, los cuales la apoyaron solo en ocasiones, y no dejó de derramar sobre el entero campo social. Su fuerza fue y es ética y consiste en combinar dos ejes: uno temporal que comprende las luchas del pasado y del presente, junto a otro espacial entendido como un campo de traducción común para las diferentes luchas de la actualidad. Sus logros se miden por su capacidad de inspirar un germen insurreccional popular: el 19D y el 20D de 2001, pero también el 8M. Desde los pañuelos blancos hasta los pañuelos verdes, las mujeres prepararon su paro desde hace 40 años.

¿Por qué esa política sobrevive al kirchnerismo?

Luego del período de claudicación sistemática de la democracia (1983-2001), el kirchnerismo hizo política con los derechos humanos. Si bien muchos sostienen que cooptó a los organismos, es más justo aceptar que fueron estos últimos los que consiguieron lo que se proponían: que algún gobierno les hiciera caso. Lo cierto es que los avances institucionales de aquellos años –avances que hoy defendemos- coincidieron con una impotencia creciente a la hora de afrontar en los territorios una crueldad social –patriarcal, clasista y racista– regida por las formas de la valorización financiera. La ofensiva sensible, en la que los derechos humanos hicieron escuela, sobrevive para defender una memoria y para reinventarse retomando su autonomía, como lo muestran hoy sus prolongaciones en el movimiento de mujeres y minorías sexuales en rebeldía. La política de derechos humanos se planta para enfrentar la crueldad neoliberal de este tiempo y, en esa medida, hereda un legado plebeyo. Así lo recuerda Florencia Lance: “El Negro Molina una vez nos contó que durante los años de la resistencia viajaba en un colectivo. Y de un lado estaba la policía reprimiendo y del otro parte del pueblo resistiendo. —Hay momentos de la vida en que uno tiene que elegir de qué lado se pone. Nos dijo. Y esa imagen para mí es así: uno siempre, siempre, siempre, puede elegir de qué lado se pone».

¿Por qué el macrismo, que suele presentarse como una nueva derecha democrática, pretende impunidad para los viejos cuadros de la dictadura?

Repasemos los hechos del último año: luego de la marcha del 24M de 2017, el gobierno trató de terroristas a los organismos por recordar a las organizaciones revolucionarias de los años setenta; el intento de excarcelar a genocidas a partir de la sanción del 2×1 –operación montada por los tres poderes del Estado y la cúpula de la iglesia católica, y abortada por una gigantesca movilización popular–; el surgimiento de las voces de los hijos de genocidas (¡ex hijos!) dispuestas a narrar sus verdades sobre la conexión entre terrorismo de Estado y horror doméstico; los asesinatos en el Sur mapuche de Santiago Maldonado –causa aún no esclarecida– y de Rafael Nahuel –a balazos por la espalda–; el anuncio de la nueva doctrina de seguridad que avala a priori el accionar de las fuerzas represivas, las que tienen siempre la razón al actuar en defensa de la propiedad privada (los asesinatos policiales posteriores respondieron a esta concepción); la propuesta desde el gobierno de la política de la prisión domiciliaria para los viejos cuadros de la represión, como se dispuso para el caso Etchecolaz, resolución posteriormente revocada. Hay varias hipótesis verosímiles –el gobierno debe pagar ante su electorado; la nueva doctrina de seguridad, dispuesta a enfrentar el conflicto social creciente, requiere un homenaje a los represores de ayer para sus continuadores–, pero creo que la más relevante es la siguiente: la necesidad de quebrar la historicidad –la fuerza y el porvenir– de esta política fundada en la sensibilización del campo social que es la expresión más nítida de la lucha de clases en la Argentina.

FOTO PRINCIPAL: Emergentes

Una semana después del tiroteo en la escuela de Parkland, Florida, donde el joven Nikolas Cruz mató a 17 personas, me llega una alerta en el celular: “La policía está investigando una denuncia de una persona armada en el estacionamiento S. No se acerque al lugar.” Estoy en la universidad donde trabajo y están hablando del estacionamiento donde dejo mi auto todos los días. Un rato después me llega un segundo mensaje que dice que la policía no encontró nada y que todo está bajo control. Me detengo unos minutos, hace unas horas estuve en ese estacionamiento que queda a unos pocos metros del edificio donde doy clase, pero tampoco me preocupa mucho, todos sabemos que en los días después de un tiroteo masivo multiplican las amenazas en otros sitios, por lo general sólo son estudiantes que quieren rajar de un examen, todo normal.

Un poco después voy a enseñar mi última clase del día. Ahí, mientras los alumnos hacen un ejercicio, noto que hay uno quien no está trabajando. El joven, ya lo sé por unos formularios que me hicieron firmar, tiene estrés postraumático después de dos años en el ejército estadounidense en Irak. Ahora empieza a expresar su frustración, grita a la computadora y a los otros alumnos. Después de unos minutos muy tensos, se levanta, me dice “me tengo que ir porque si no te voy a pegar a vos o, peor, a la computadora” y se va.

Me hace acordar a la semana anterior cuando ese alumno me había quejado porque la ayudante le “habló sin respeto”. En esa ocasión me había gritado: “yo maté para este país, me tienen que respetar”. Soy profesora, no soy psicóloga, y la guerra en Irak me parece una barbaridad, pero no digo nada de esto. El alumno es grandote, todavía tiene el corte de pelo militar y no me deja de gritar. Le prometo que todos le tenemos mucho respeto, que no va a volver a pasar, que le doy más tiempo para completar el trabajo, cualquier cosa para que se calme, para que se vaya de mi oficina.

Después me pregunto, ¿no basta con que las mujeres sufrimos esas violencias, ahora es también mi trabajo contener a ese pibe para que no ataque a los demás? Y claro, hay toda una multitud de redes y prácticas de mujeres que se cargan de contener esa violencia. Y no sólo los tiroteos masivos como el de Parkland, o la situaciones de violencia explícita, sino también la violencia cotidiana de todos los hombres enojados, los que se quedan enojados después de haber cometido crímenes en una de las muchas guerras del país, o enojados por la situación económica, por los migrantes, por el fútbol, lo que sea. Y a nosotras nos toca cuidalos para que no se pongan violentos.

No es mi primera experiencia con un estudiante con estrés postraumático. Hay miles y miles de pibes que entran al ejército porque para muchos es la única manera de pagar la universidad. Después vuelven a un país donde no hay cuidado médico ni psicológico suficientes para ellos. Y, como no debe sorprender, vuelven enojados y violentos. Sus parejas y familias son las primeras en sufrir: varios estudios muestran que más del 80 por ciento de los veteranos con estrés postraumático abusan a sus parejas. Y, muchísimas veces, las parejas y los hijos lo aguantan porque el abusador es un héroe de guerra, o eso es lo que les dice la policía cuando van a hacer una denuncia.

No son los veteranos los que llevan al cabo los tiroteos masivos en la mayoría de los casos. Pero tampoco se puede pensar esos tiroteos, esos masacres, sin tomar en cuenta la violencia que despliega el país al nivel global todos los días. O la violencia policial dentro del país en contra de las comunidades negras. Estas violencia es, en todos los casos, un ataque directo a las comunidades y las formas de vivir, es violencia que las mujeres sufren dos veces: en el momento y cuando tienen que rehacer sus familias y sus comunidades después del ataque. Pero es esa violencia que les hace héroes a los hombres.

Mientras el debate público en los estados unidos después de Parkland se centra en la cuestión del control de las armas, pocas veces se conecta los tiroteos en las escuelas (y otros lugares públicos) con el espectro de violencia machista que va desde los aspectos más íntimos de la vida hasta la violencia colonial y imperialista que se difunda por toda la planeta. Hombres relativamente jóvenes son los protagonistas de estos tiroteos en la mayoría de los casos. Y muchísimas veces, ya han atacado a mujeres o por lo menos demuestran una misoginia profunda en sus escritos o videos. Como Elliot Rodger quien mató a 6 personas y hirió a 14 en California en el 2014, proclamando que fue llevado a hacerlo por todas las mujeres que lo rechazaron y no “reconocieron su valor”. O, al otro lado del atlántico pero en un caso muy parecido, el “manifiesto” de Anders Breivik, quien mató a 77 personas en Noruega en el 2013, en lo cual echa la culpa al feminismo y el multiculturalismo por haber destruido el supuesto ideal de la familia heteropatriarcal de los años 50s.

Los tiroteos masivos actuales, en este sentido, no vienen de la nada, sino que tienen una conexión directa con la larga historia de violencia del estado capitalista, la violencia patriarcal, y la violencia colonial.. Pero también tienen un aspecto que es totalmente contemporáneo. En su libro Héroes, Bifo analiza estos tiroteos como una expresión de la expansión del neoliberalismo: la competencia en todas las áreas y todos los tiempos de la vida, hasta los ámbitos más íntimos y de la subjetividad misma. Por un lado, se ve la ideología neoliberal, que solo los más fuertes merecen sobrevivir, en las proclamaciones de muchos de los protagonistas de estos tiroteos. Por otro lado, cuando lo subjetivo y lo afectivo son puestos a trabajar, son subsumidos al capital, se produce toda una serie de patologías que pueden terminar en los masacres y los suicidios.

Y las escuelas están en el centro de la batalla por la producción de subjetividad neoliberal. Me acuerdo que estaba en el secundario cuando sucedió el tiroteo en el colegio de Columbine. Después empezó la intensa securitización de todos los colegios: policía o agentes de seguridad armados en todas las puertas, detectores de metales, todo tipo de vigilancia. Al mismo tiempo la competencia era cada vez más feroz: cada examen una oportunidad de mostrar que eras el mejor de todos, con más posibilidad de ir a la mejor universidad. Y no sólo en lo académico, también ser el mejor en los deportes, en las organizaciones sociales o activistas, caer bien a los docentes para que te escriban la mejor carta de recomendación. Ahí fue la primera vez que escuché que había que convertirse en una marca personal.

Y para cualquier expresión de malestar o desobediencia: el prozac. Para las chicas esta presión fue doble y las posibilidades de desobedecer o escapar menos. Había que competir sí, pero sin perder la feminidad y sin hacer enojar a esos chicos que se podían poner violentos en cualquier momento, siempre había que estar muy atenta.

La facilidad de conseguir armas es, entonces, un sólo aspecto de la violencia actual en los estados unidos. Un aspecto que se puede entender mejor como un rasgo fundamental de la subjetividad masculina en el país. El varón proveedor no sólo trabaja para sostener la familia en términos económicos, también está armado para proteger la familia de cualquier amenaza externa. Y cuando más difícil mantener la parte económica de la masculinidad, más importante el lado de la protección. Así se ve la íntima relación entre la familia heteropatriarcal y las reformas neoliberales. Y también con el racismo. Los que tienen la mayoría de las armas en los estados unidos son, sobre todo, hombres blancos, con poca educación, mucha deuda y actitudes muy racistas – están convencidos que necesitan las armas para proteger sus familias de los negros.

Entonces, ¿qué hacer contra toda esa violencia? Si entendemos que la violencia de los tiroteos masivos tiene una conexión íntima con la violencia imperialista, y racista, y misoginia, se puede tratar uno de esos temas sin tocar los demás?

Ahora el partido republicano habla de armar a los docentes, el partido demócrata habla de regular las armas. Es decir, el mismo debate que siempre. Otros dicen que la violencia es inevitable y lo único que se puede hacer es estar preparado. Unos amigos me cuentan que en la escuela primaria donde va su hija hacen simulacros para que los niños saben como responder a un tiroteo. También venden mochilas que sirven de escudos: la seguridad, otra vez, es la responsabilidad de cada uno y se puede comprar. Los adultos pueden hacer sus propios trainings para responder a estas situaciones. Cada uno de nosotros tiene que estar armado y listo para entrar a una escuela, una cine, una iglesia, un shopping, para matar al “malo”. No es difícil ver a donde lleva esto, ya hubo un incidente de un docente armado que hirió a unos alumnos cuando disparó sin querer.

Mientras tanto, en las semanas después del tiroteo en Parkland, son los estudiantes del secundario quienes se han movilizado: la semana pasada casi un millón de estudiantes de todo el país participaron en marchas contra la violencia. Tienen una demanda sencilla: que no los maten. En esta manera se conecta con una multitud de luchas de los últimos años con reivindicaciones parecidas. Por el momento concentran sus demandas en el estado y sobre todo piden nuevas leyes para regular las armas. Pero ya están encontrando frustración por este camino, los políticos no los escuchan, no los toman en serio, se burlan de ellos. Pero los estudiantes mismos están encontrando otros caminos, haciendo otros vínculos con distintas luchas, creando enlaces concretos. Por ejemplo, hace poco, los estudiantes sobrevivientes de Parkland se reunieron con estudiantes negros quienes están organizando en contra de la violencia en sus comunidades – incluso la violencia policial. Así van conectando las distintas formas de violencia, y, además, construyendo un modo de relacionarse que no es el neoliberal, y que no se basa en la competencia.

FUENTE: CONTRATAPA WEB

Tras la multitudinaria marcha por el Día Internacional de las Mujeres Trabajadoras, Contratapa dialogó con Nora Cortiñas, referente de Madres de Plaza de Mayo Línea Fundadora, sobre el movimiento de mujeres en la Argentina, sobre el Paro Internacional del 8M y los aportes que los organismos de Derechos Humanos realizan a este movimiento heterogéneo, diverso y transversal que está haciendo temblar la tierra.

– ¿Que pensás sobre el movimiento de mujeres en la Argentina y sobre el feminismo?

– Muy interesante el movimiento de mujeres saliendo de la invisibilidad de años y años. Las Madres de Plaza de Mayo estuvimos años en la calle pero no en los movimientos feministas. Algunas madres hemos participado de la marcha del orgullo gay, hemos apoyado y firmado expresiones a favor de la decisión sobre sus propios cuerpos. Siempre hemos abogado que no hubiera persecuciones ni por cuestiones de género ni por opciones de vida. Así que no podemos decir tenemos esta postura o aquella de manera institucional. Cada Madre tiene la independencia de expresar lo que siente. No te puedo hablar en nombre de la institución sobre el feminismo, sobre el aborto. Como Nora puedo decirte que desde hace algunos años empecé a entender qué era el feminismo. Estuve desde los inicios participando de los encuentros nacionales de mujeres. Fuimos varias madres a los encuentros de mujeres, pero no encuadradas en el feminismo. Nosotras deseamos que haya respeto. Rechazamos los femicidios, la brutalidad. Entendemos que el hombre que comete un femicidio se denigra a sí mismo y a su familia como también a la sociedad en sí. Es un acto deleznable y repudiado por nosotras. En ese sentido, sí estamos de acuerdo como institución para expresar este rechazo.

El feminismo lo entendí hace algunos años, entendí que un punto fundamental era que nos respetaran nuestros derechos. Me crié en un hogar machista y yo como mujer tenía que desarrollar los deberes fundamentales que se esperaban de una mujer: ser buena esposa. De a poco fui entendiendo y después que se llevan a Gustavo, salgo a la calle y empiezo a tener mi relación con otras mujeres. A través del Encuentro Nacional de Mujeres, he asistido a encuentros en otros países también, como las Mujeres de Negro. Así fui fogueándome en estos temas. Creo que es importante documentarse, formarse, leer. No surge de un día para el otro, sobre todo para las que nacimos en un hogar machista y luego cuando tuvimos hijos los criamos de forma machista. Yo aprendí de mujeres amigas que nos acompañaron en esta lucha de 40 años. Tengo amigas lesbianas, con opciones de vida que siempre respeté y que pudimos caminar juntas. Las mujeres en sí fuimos invisibilizadas por la propia sociedad y por el propio sistema patriarcal y conservador.

“HACE ALGUNOS AÑOS EMPECÉ A ENTENDER QUÉ ERA EL FEMINISMO”

– ¿Qué opinás sobre lo que fue el Paro Internacional del 8M?

– Estos dos años que llevamos haciendo Paro las mujeres han sido muy importantes. No soy partidaria de discriminar a los hombres. No podemos condenar a todos porque algunos son violentos y matan. El feminismo lo veo y lo voy estudiando y voy avanzando en tanto mi conciencia, mi ética pueda seguir firme. No soy presionada a dar una opinión única. Por eso las madres nos respetamos en cuanto a nuestras opiniones sobre diversos temas. No hay una línea única dentro de Madres.

Las Madres fuimos maltratadas, discriminadas y hasta la propia sociedad también nos miró con indiferencia y en hasta nos tildaron de locas de Plaza de mayo. Fue muy difícil para nosotras recibir este trato especialmente por parte de la cúpula de la Iglesia que nos decía: ustedes no criaron bien a sus hijos, no los educaron. Así que por eso entendemos que las mujeres tenemos que salir a la calle y decir: acá estamos. Por eso nos parece muy bien que más de 700.000 mujeres salgan a la calle para protestar. Ojalá que después del 8M, haya un seguimiento para reivindicar la lucha de las mujeres.

– ¿Qué tienen para decir en esta jornada las Madres de Plaza de Mayo? ¿Cuál es el mayor aporte que hacen los organismos de derechos humanos al movimiento feminista actual?

– Las mujeres durante el Terrorismo de Estado fueron violadas, vejadas, maltratadas. Hay casos muy graves. Tanto es así que después de 30 años, recién se animaron las mujeres a contarlo. Inclusive al tener sus hijxs eran maltratadas. Por ejemplo Adriana Calvo tuvo su hija atada a un árbol en el piso, a cielo abierto. Brutalidades. Entonces eso sí hay que reconocerlo y denunciarlo.

Las Madres no aportamos más que la denuncia cuando hay injusticias. Estamos en contra de las injusticias y de la discriminación hacia las mujeres. Aportamos en general cuando denunciamos las injusticias cometidas contra ellas. Hoy por ejemplo estuve en el Juicio por Diana Sacayán ya que considero que lo que pasó con ella es una brutalidad. Hay que apoyar a la familia, denunciar que hay odio contra la comunidad trans. Fue una muestra de discriminación y odio y esto hay que modificarlo. Tenemos que ser gestoras ante el Estado para que el Estado a través de los caminos correspondientes, saque leyes y sistemas de protección para eliminar los femicidios y travesticidios.  Se tiene que condenar con toda la fuerza de la ley a estos crímenes de odio. Somos solidarias y apoyamos todos los movimientos en este sentido.

– ¿Cómo afecta la presente coyuntura -caracterizada por despidos, ajuste y represión – sobre la vida y el cuerpo de las mujeres? ¿Cómo impactó esta coyuntura a la convocatoria del Paro?

– La política económica que esté llevando a cabo este gobierno perjudica más a la mujer que al hombre. Las leyes que salen protegen al hombre en vez de proteger a la mujer. Estoy de acuerdo en que hay que expresarse en contra. Tenemos que tener claro lo que queremos. Por eso la fuerza del Paro en demostrar que no somos invisibles.

Creo que se unió la fuerza de la denuncia y el no al ajuste, no a la represión y no a la persecución política. Todo eso nos une y por eso fue tan masiva la marcha del 8M. Por eso mismo es que creo que la discriminación hacia los hombres (respecto al llamado a que no participen de la movilización) no me pareció acertada, porque están despidiendo hombres y mujeres, si bien sabemos que afectan más a las mujeres. Pero lo cierto es que este ajuste es brutal y es perjudicial tanto para hombres como para mujeres.

“CREO QUE SE UNIÓ LA FUERZA DE LA DENUNCIA Y EL NO AL AJUSTE, NO A LA REPRESIÓN Y NO A LA PERSECUCIÓN POLÍTICA”

– ¿Qué opinión te merece el colectivo Historias Desobedientes conformada por hijas e hijos de genocidas que apareció en la escena pública el pasado 3 de Junio?

– Estuvimos conversando con ellos. Lógicamente todo lo que puedan aportar a la justicia lo deben aportar. Nosotras no nos podemos inmiscuir en estas nuevas organizaciones que van surgiendo. Tenemos que esperar que ellos y ellas hagan su camino y seguir comunicados.

– ¿Cómo se organizan de cara al próximo 24 de marzo en esta coyuntura marcada por un negacionismo por parte del Gobierno?

– Las Madres no nos organizamos solas. Los organismos conversamos y cambiamos opiniones y propuestas. Se hacen reuniones. Nosotras somos de la opinión de que si vamos todas juntas, es mejor. Si hay necesidad de hacer dos documentos, que haya dos documentos. Nosotras pensamos que en este contexto hay que denunciar el ajuste, para que el Gobierno dé marcha atrás la reforma laboral. Este 24 decimos no al ajuste, no a la represión, no a los despidos. Fundamental: tienen que abrir los archivos. Esa es nuestra demanda de siempre y lo seguiremos pidiendo. Para que nos digan qué pasó con todos los desaparecidos durante el Terrorismo de Estado. También pedimos por la libertad de los presos que se llevaron por salir a protestar. No se puede judicializar ni reprimir la protesta social. Estamos en contra de la prisión de Milagro Sala,no tiene por qué estar presa dos años. En todo caso, que le hagan un juicio que determine de qué se la acusa y que se pueda defender. Queremos que en nuestro país haya justicia y haya igualdad entre hombres y mujeres, por igual trabajo, igual salario. Tenemos todo esto claro porque somos madres que venimos de la lucha desde nuestros hogares. Nuestros hijos luchaban por la justicia social y por eso no están. Tenemos claro que levantamos las banderas de lucha de nuestras hijas e hijos y decimos: acá estamos para defender al pueblo de cualquier injusticia.

«(…)De más está decir que luchamos a brazo partido, pero tuvimos jefes corruptos, líderes cobardes, pusimos toda nuestra generosidad en un ideal que hacía más de cincuenta años estaba muerto, pero igual lo hicimos, porque fuimos estúpidos y generosos, como son los jóvenes, que todo lo entregan y no piden nada a cambio, y ahora de esos jóvenes ya no queda nada(…) Toda América Latina está sembrada con los huesos de esos jóvenes olvidados» ROBERTO BOLAÑO ( Entre Paréntesis)

“(…)Estado se llama al más frío de todos los monstruos fríos. Es frío incluso cuando miente; y ésta es la mentira que se desliza de su boca: “ Yo el Estado, soy el pueblo”.(…)pero el estado miente en todas las lenguas del bien y del mal; y diga lo que diga, miente, y posea lo que posea lo ha robado. Falso es todo en él.(..) hace señas a los predicadores de la muerte(…)” FRIEDRICH NIETZSCHE (Así hablaba Zaratustra)

Han pasado ya 31 meses desde aquélla fatídica tarde del 31 de julio de 2015 en que fueron asesinados Rubén Espinosa, Nadia Vera, Mile Martín, Yesenia Quiroz y Alejandra. He escrito dos veces al respecto, la primera vez hice preguntas que no respondió la PGJ, la segunda vez ya no eran preguntas, era la certeza de que no se había hecho una investigación científica y acudimos a la CDH de la CDMX que emitió una recomendación con 17 puntos, pero a la fecha, no hemos tenido respuestas satisfactorias, por ello escribo estas líneas.

EN DEFENSA PROPIA, EN DEFENSA DE LA MEMORIA:

Desde este país de las simulaciones, donde se simula una democracia sólo durante las elecciones ,y el partido que queda en el poder se vuelve una dictadura que amenaza, como suelen amenazar las dictaduras a quienes no coinciden con ella y a quienes critican sus desaciertos y por ende los ciudadanos tenemos que hablar entre líneas y con insinuaciones.

Desde este país donde los del poder no nos escuchan y lo que decimos los ciudadanos comunes se vuelve un monólogo constante o una letanía fúnebre porque la violencia y la impunidad no parecen aminorar.

Desde este país donde la mayoría de los ciudadanos somos invisibles a los ojos de los políticos, que sólo trabajan para buscar su beneficio personal y no el bien común.

Desde este país donde desde el poder se fabrican verdades absolutas atravesadas por un interés mezquino.

Desde este país donde vigilan constantemente a los periodistas que se vuelven incómodos para el sistema, porque son los únicos que saben hacer diligentes investigaciones que la PGR en su negligencia no es capaz de realizar.

Desde este país donde me tocó la vida, pero también la muerte.

Desde este país sólo pido sensibilidad. Si usted señor funcionario público, servidor público, pusiera en su pensamiento la palabra funcionario y funcionara para lo que dice que le pagan. Si usted servidor público pudiera servir con su trabajo al país, si tuviese un poco de sensibilidad desde el cargo en que esté, siendo presidente, jefe de gobierno, gobernador, senador, legislador, procurador de la nación, de algún estado, o del municipio que fuese. Si tuviese un poco de sensibilidad, podría entonces su cerebro sentir un poco de empatía con los ciudadanos que sufren, desde un trámite que debería ser simple si usted cumpliera con su trabajo, hasta la búsqueda de un desaparecido o la investigación de un crimen.

Si pudiera ser sensible señor empleado de la Procuraduría sabría que cada persona desaparecida o asesinada tiene una historia de vida, una familia que sufre, que siente angustia y dolor por la pérdida de su ser querido.

Hacer su trabajo ,aminoraría en algo esa angustia, porque le daría a las familias de los de los asesinados un poco de acompañamiento, y aunque nunca comprenderé qué es justicia después de que mi hija ha sido asesinada, si hace su trabajo y busca la verdad fundamentada en una investigación científica, podrá darle a las familias, un poco de consuelo y no tendría que pasarse los días en los medios de comunicación dando pésames falsos, ofreciendo disculpas obligadas, anunciando el pago de nimias indemnizaciones por no haber hecho bien su trabajo o renunciando obligatoriamente a su cargo, como quien abandona un barco que se hunde.

En este remolino de muertos que se ha vuelto el país, en este aire de cenizas de desaparecidos, entre este hatajo de malvados que se ostentan como autoridades, entre el hartazgo que ya ha alcanzado a muchos y los lleva al sinsentido, a la indiferencia, a la indolencia cómplice y criminal y se vuelven depredadores de sus semejantes ; aquí, alguien logra alzar la voz, y exige sólo lo que es nuestro derecho de los sin voz:

EL DERECHO A LA VERDAD, EL ACCESO A LA JUSTICIA , EL COMBATE A LA IMPUNIDAD, EL RESPETO A LA MEMORIA.

Entendemos que no hay verdades absolutas, pero no insulten nuestra inteligencia diciéndonos una mentira así nomás; sabemos que ustedes mienten, y queremos que acepten que han mentido. Y créanme, porque Uds. no piensen en nosotros, porque no les importe nuestra suerte, no desaparecemos, seguimos aquí, con nuestros muertos que siguen vivos en cada uno de nosotros.

Mirtha Luz Pérez Robledo (la madre, la mujer, la ciudadana)

De La luna con gatillo. Aquí el Facebook de lxs amigxs: La luna con gatillo

En 1964 David Viñas publica su disruptivo libro Literatura argentina y realidad política. De allí en más, ni la literatura, ni la historia, ni la crítica en Argentina se leerán del mismo modo. Es el mismo año en que José Luis Manguieri funda La rosa Blindada, emblemático proyecto político-editorial que toma el nombre del libro homónimo de poesía de 1936 escrito por Raúl Gozález Tuñón –nombrado “Director de honor” por el colectivo editorial– en homenaje a la insurrección masacrada de los mineros de Asturias, ocurrida en octubre de 1934. Desde hacía una década Viñas venía publicando novelas y un año antes había publicado ese magistral Manifiesto que figura en la solapa de su único libro de cuentos, Las malas costumbres (casi podría decirse que los cuentos acompañan la solapa, más que la solapa acompaña al libro). También había fundado y dirigido, junto a su hermano Ismael la emblemática revista Contorno (1953-1959), de la que participaron –entre otros– León Rozitchner y Adelaida Gigli. Revista que en su Nº 2, de 1954, rescata la figura de Roberto Arlt.

Tuñón y Artl, el legado y el parricidio.

Arlt murió joven, sin escuela y como un maldito entre los malditos. O en los bordes heréticos de las iglesias literarias. Tuñón, se sabe, apadrinó a Juan Gelman, y luego, al Cuarteto Cedrón.

Pero eso fue hace mucho. Antes de que todos los integrantes de este proyecto naciéramos. Antes de que el Río de la Plata se transformara en una marea de muertos sin sepultura, y antes de que el deseo revolucionario se extinguiera de nuestra sociedad. Lo que vino después es archi-conocido: la teoría de los dos demonios, el reconocimiento de militantes de la cultura de izquierda sólo en sus funciones de “poetas”, “periodistas” y “escritores”. Así y todo, personajes como los de Rodolfo Walsh, Francisco Urondo y Haroldo Conti no dejaron de acompañar a nuevas generaciones, pero más como figuras que como expresiones de proyectos estético-políticos a revisitar.

Cuando surgió este proyecto (primero “trinchera radiofónica”, luego también blog y ahora en búsquedas por diversificarse), elegimos el nombre de La luna con gatillo para rescatar a Tuñón de cierto olvido, para trazar genealogías que fueran más allá de los años 70 y para recordar (nos) que no siempre la política y la crítica de la cultura marcharon por caminos tan separados como en las últimas décadas.

Tuñón murió en 1974, pero Viñas nos acompañó hasta hace no tanto. De hecho hay quienes escriben en esta semana especial que le estamos dedicando –a siete años de su fallecimiento– que tuvimos la suerte de cruzarlo por ahí alguna vez, o entrevistarlo en algún bar de la calle Corrientes, o asistir a una de sus clases en la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires.

Por eso pensando en el programa de radio, y este portal web, tal vez podríamos haber pensado en titular este homenaje bajo el nombre de “Viñas, Tuñón, un sólo corazón”.

***

2018-

Como en el viejo zaping, pero ahora en youtube: Viñas, David Viñas, entrevistas. La lista de reproducción larga varias posibilidades. Ya las he visto todas, en distintos momentos, pero cada tanto –en alguna noche de desvelo como esta– suelo volver a mirar algunas.

1995-

Viñas participa de una charla en la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de La Plata. Gente sentada en sillas, muchas pibas y pibes jóvenes sentados en el suelo. Numerosos carteles colgados con rostros de otros jóvenes, pero de 20 años atrás. Están desaparecidos, entonces y ahora. Tal vez alguno haya aparecido (su cadáver en realidad) producto del trabajo realizado por el Equipo Argentino de Antropología Forense. No lo sabemos. Lo que sí sabemos, porque ha quedado registrado en una cámara filmadora, es que Viñas liga el rostro de esos militantes con los de sus hijos, también desaparecidos por el Terrorismo de Estado. David nombra a María y Lorenzo Ismael Viñas y luego a Víctor Choque.

¿Quién se acuerda de Víctor? De Cabezas muchos. Es que José Luis era fotógrafo, y su nombre fue mencionado durante mucho tiempo, cada día, en los noticieros de Canal 13. “No se olviden, de José Luis Cabezas”, repetía a diario Santo Biassatti con rostro adusto. Pero de Víctor no. Se olvidaron rápido los medios hegemónicos. Pero entonces Viñas lo recordó. Había muerto hacía poco de todos modos. Y David lo puso en serie con sus hijos detenidos-desaparecidos durante la última dictadura cívico-militar. ¿Hizo mal? Poco importa. Lo que importa es su coherencia.

Víctor Choque fue un obrero de la construcción, salteño, asesinado en Ushuaia el 12 de abril de 1995, justo dos años antes de que Teresa Rodríguez fuera asesinada cuando pasaba por las cercanías de un piquete en Cutral Có. Son los años cínicos, los años del Menemato, según supo tempranamente caracterizar, y nombrar, David Viñas, el hombre que desde la literatura y la crítica argentina había trazado un hilo invisible entre los indios, los gauchos, los cabecitas negra, los subversivos, es decir, entre todos aquellos asesinados por esa “constante con variaciones” que fue la “violencia oligárquica” en Argentina. Estamos en ejercicio de la memoria, insiste David. Y recuerda también a los fusilados en la Patagonia Rebelde en los años 20; a los fusilados en José León Suárez, a mediados de los años 50 y a los asesinados durante el Cordobazo, ya finalizando los años sesenta. Todas secuencias del siglo XX.

2017-

Releo un libro de Viñas, tras haber realizado un ejercicio viñesco: leer con atención el diario La Nación. Luego escribo:

Fines de la década del ‘50 del siglo XX: Viñas escribe Los dueños de la tierra. Fines de la década del ‘90 del siglo XIX. David sitúa el inicio del relato de su novela. Dos personajes discuten sobre “la mejor manera de cazar indios”. “Como si fueran guanacos o cualquier cosa”, dice uno. Porque “matar era como violar a alguien. Algo bueno”, comenta otro. El relato avanza, y las frases pronunciadas resuenan desde el fondo de la historia en esta cruda realidad del siglo XXI. “¿Nosotros venimos aquí a divertirnos o qué?”.

El interrogante es del libro de Viñas, no de la actual “Revolución de la alegría”, que a través de la Gendarmería Nacional ha detenido-desaparecido al joven trabajador de la economía popular Santiago Maldonado.

Meses después aparecerá el cadáver de Maldonado flotando sobre un río. Nuevas operaciones mediáticas, políticas, judiciales. El veredicto final determina que Santiago se ahogó mientras cruzaba el río, sin padecer su cuerpo violencia previa. Para muchos la prueba de que seguimos en democracia. Ergo: ya no se cometen delitos de lesa humanidad. Para otros tantos la autopsia no cambia algo sustancial: Maldonado escapaba de una represión (ilegal), desatada por Gendarmería Nacional. El artesano estaba en el sur del país junto a la comunidad mapuche que resiste el avance represivo del Estado argentino que ahora toma la Ley Antiterrorista aprobada durante el anterior gobierno para “inventarse” ese nuevo enemigo público. Ese mismo Estado que casi un siglo y medio atrás recorrió similares latitudes en una campaña que denominó del desierto, pero resulta que ese desierto lo habitaban los indios, tan condenados entonces como hoy.

Era famoso en toda esa parte de la Patagonia. Bond. Y cuando esos animales -o lo que fuera- caían, él los golpeaba hasta que agacharan la cabeza, no miraban más y quedaban completamente oscurecidos como su propia piel, leo en la novela de Viñas, quien agrega: lo que molestara tenía que ser eliminado.

Las mismas tierras patagónicas en donde semanas después, en una nueva represión a las comunidades mapuches, la Prefectura Nacional asesina a Facundo Nahuel, otro joven de la economía popular (menos reivindicable por nuestras bellas almas progresistas, al parecer, porque no era blanquito y capitalino como Maldonado): las mismas latitudes en donde hace casi un siglo atrás el Estado exterminaba trabajadores criollos, de Argentina y de Chile, y también, inmigrantes. Esos que le habían salido como tiro por la culata en los planes de Don Faustino, el Sarmiento que había promocionado que pobláramos el “desierto” con gente de bien, europeos, no negros de mierda –como ahora– venidos de países cercanos, o de tierra tan lejanas que no sabemos ni ubicar en el mapa. Entonces vinieron europeos, sí, pero resulta que esa gente de bien no era tan de bien, al parecer. Eran anarquistas, hombres y mujeres de espíritu libertario, no iguales pero parecidos a los gauchos e indios que en malones y montoneras se habían resistido a la captura operada por el Estado en su búsqueda por transformarlos en ciudadanos de la república burguesa, es decir, en fuerza productiva para el capital.

2018-

Sigo viendo videos. Los años van variando, la actitud de Viñas no. Aparece más joven o más viejo, siempre con bigotes, voz decidida, intervenciones punzantes.

Viñas con cincuenta y pico, durante el exilio mexicano; Viñas viejito ya, más de ochenta años, meses antes de morir, contando que está metido en un proyecto para fundar una nueva revista sobre temas latinaomericanos. Lamenta que en Argentina no exista ninguna biblioteca donde poder investigar seriamente sobre literatura Latinoamericana.

Viñas cultiva siempre la incomodidad como posición existencial.

David ya es una gran figura ampliamente reconocida y con trayectoria en el campo cultural argentino; ya rechazó unos años antes la beca Guggenheim; ya se le reconoce el mérito de haber acuñado el concepto de menemato; ya fue candidato a intendente de la ciudad de Buenos Aires por una lista de izquierda. Tiene setenta años y va a participar de una mesa sobre “intelectuales y política” del programa Los 7 locos, que se emite por la televisión pública. Un breve extracto de ese programa se hizo luego famoso, hace poco, porque Beatriz Sarlo se indigna en un momento y se va. El extracto se viralizó bajo el nombre de “El antecedente de Conmigo no Barone”, pero lo sustancioso de la intervención de Viñas no está allí, sino en el track de 15 minutos (que compartimos al final de esta nota). Es 1995, mitad de la “década perdida”, la “segunda década infame” o quieran llamar a ese doble mandato de Carlos Saúl Menem en la presidencia de la Nación. Viñas, impoluto, les dice en la cara todo lo que les tiene que decir a quienes comparten mesa con él. No se ruboriza, no se acobarda, no da tregua ni hace concesiones. Es un buen ejemplo de cómo debería entender un intelectual crítico que tiene que posicionarse frente a una cámara de televisión.

Viñas aclara que se debe distinguir entre intelectuales críticos y sumisos. Es interrumpido por la conductora, que le dice que no cree haber invitado gente sumisa a su programa. Y Viñas vuelve a la carga, e insiste en que se siente abrumado por la presencia de tantos funcionarios. Hace un paréntesis a su alocución para señalar que en un lugar llamado Los siete locos la escenografía está compuesta por personas a las que les falta la cabeza, cuando la locura tiene que ver con la cabeza y no con los pies. Todas parejas heterosexuales, remarca (yo que participo activamente en la homosexualidad me siento discriminado). La conductora intenta conciliar, pero Viñas insiste en que no se reconoce como colega de quienes están en esa mesa, algunos de los cuales han pasado del menemato a la Alianza. Y recuerda que a mayor riesgo de crítica, mayor riesgo de sanción. Cita los nombres de Rodolfo Walsh, de Silvio Frondizi y de John Willian Cooke. La conductora se impacienta. Viñas no retrocede. Rescata su derecho a definirse por la discrepancia. ¿Nada más?, lo increpa la conductora. Y nada menos, agrega Viñas, quien remata: decir No es empezar a pensar.

El video sigue. Haga una pausa y me levanto a buscar ese libro que publicó cuatro décadas antes de asistir a ese set televisivo. Releo Los dueños de la tierra y encuentro esas líneas que había ido a buscar; esa frase que tanto me gusta y que pongo en serie con sus dichos en Los siete locos para cerrar esta nota de homenaje al gran intelectual irreverente. Extracto de su novela de 1957 que dice así:

Y era bueno poder ver a los enemigos, si hasta era saludable poderlos odiar enteramente, como un ojo mira redondamente a un blanco. Es que ese odio sí que se lo sentía con de esa forma total, resultaba placentero, no incomoda, llenaba el cuerpo y lo sostenía a uno. Hasta adquirían importancia y su verdadero valor los enemigos y uno se definía a partir de ellos. “No” a lo que comen, “no” a lo que leen, “no” a lo que tienen metido en la cabeza…–le había dicho Yuda.

¿Somos marxistas? ¿Existen marxistas? Tú sola, estupidez, eres eterna. Esa cuestión resucitará probablemente estos días, con ocasión del centenario, y consumirá ríos de tinta y de estulticia. La vana cháchara y el bizantinismo son herencia inmarcesible de los hombres. Marx no ha escrito un credillo, no es un mesías que hubiera dejado una ristra de parábolas cargadas de imperativos categóricos, de normas indiscutibles, absolutas, fuera de las categorías del tiempo y del espacio. Su único imperativo categórico, su única norma es: «Proletarios de todo el mundo, uníos». Por tanto, la discriminación entre marxistas y no marxistas tendría que consistir en el deber de la organización y la propaganda, en el deber de organizarse y asociarse. Demasiado y demasiado poco: ¿quién no sería marxista?

Y, sin embargo, así son las cosas: todos son un poco marxistas sin saberlo. Marx ha sido grande y su acción ha sido fecunda no porque haya inventado a partir de la nada, no por haber engendrado con su fantasía una original visión de la historia, sino porque con él lo fragmentario, lo irrealizado, lo inmaduro, se ha hecho madurez, sistema, conciencia. Su conciencia personal puede convertirse en la de todos, y es ya la de muchos; por eso Marx no es sólo un científico, sino también un hombre de acción; es grande y fecundo en la acción igual que en el pensamiento, y sus libros han transformado el mundo así como han trasformado el pensamiento.

Marx significa la entrada de la inteligencia en la historia de la humanidad, significa el reino de la conciencia.

Su obra cae precisamente en el mismo período en que se desarrolla la gran batalla entre Tomás Carlyle y Heriberto Spencer acerca de la función del hombre en la historia.

Carlyle: el héroe, la gran individualidad, mística síntesis de una comunión espiritual, que conduce los destinos de la humanidad hacia orillas desconocidas, evanescentes en el quimérico país de la perfección y de la santidad.

Spencer: la naturaleza, la evolución, abstracción mecánica e inanimada. El hombre: átomo de un organismo natural que obedece a una ley abstracta como tal, pero que se hace concreta históricamente en los individuos: la utilidad inmediata.

Marx se sitúa en la historia con el sólido aplomo de un gigante: no es un místico ni un metafísico positivista; es un historiador, un intérprete de los documentos del pasado, pero de todos los documentos, no sólo de una parte de ellos.

Este era el defecto intrínseco a las historias, a las investigaciones acerca de los acaecimientos humanos: el no examinar ni tener en cuenta más que una parte de los documentos. Y esa parte se escogía no por la voluntad histórica, sino por el prejuicio partidista, que lo sigue siendo aunque sea inconsciente y de buena fe. Las investigaciones no tenían como objetivo la verdad, la exactitud, la reconstrucción íntegra de la vida del pasado, sino la acentuación de una determinada actividad, la valoración de una tesis apriórica. La historia era dominio exclusivo de las ideas. El hombre se consideraba como espíritu, como conciencia pura. De esa concepción se derivaban dos consecuencias erróneas: las ideas acentuadas eran a menudo arbitrarias, ficticias. Y los hechos a los que se daba importancia eran anécdota, no historia. Si a pesar de todo se escribió historia, en el real sentido de la palabra, ello se debió a la intuición genial de algunos individuos, no a una actividad científica sistemática y consciente.

Con Marx la historia sigue siendo dominio de las ideas, del espíritu, de la actividad consciente de los individuos aislados o asociados. Pero las ideas, el espíritu, se realizan, pierden su arbitrariedad, no son ya ficticias abstracciones religiosas o sociológicas. La sustancia que cobran se encuentra en la economía, en la actividad práctica, en los sistemas y las relaciones de producción y de cambio. La historia como acaecimiento es pura actividad práctica (económica y moral). Una idea se realiza no en cuanto lógicamente coherente con la verdad pura, con la humanidad pura (la cual no existe sino como programa, como finalidad ética general de los hombres), sino en cuanto encuentra en la realidad económica justificación, instrumento para afirmarse. Para conocer con exactitud cuáles son los objetivos históricos de un país, de una sociedad, de un grupo, lo que importa ante todo es conocer cuáles son los sistemas y las relaciones de producción y cambio de aquel país, de aquella sociedad. Sin ese conocimiento es perfectamente posible redactar monografías parciales, disertaciones útiles para la historia de la cultura, y se captarán reflejos secundarios, consecuencias lejanas; pero no se hará historia, la actividad práctica no quedará explícita con toda su sólida compacidad.

Caen los ídolos de sus altares y las divinidades ven cómo se disipan las nubes de incienso oloroso. El hombre cobra conciencia de la realidad objetiva, se apodera del secreto que impulsa la sucesión real de los acaecimientos. El hombre se conoce a sí mismo, sabe cuánto puede valer su voluntad individual y cómo puede llegar a ser potente si, obedeciendo, disciplinándose a la necesidad, acaba por dominar la necesidad misma identificándola con sus fines. ¿Quién se conoce a sí mismo? No el hombre en general, sino el que sufre el yugo de la necesidad. La búsqueda de la sustancia histórica, el fijarla en el sistema y en las relaciones de producción y cambio, permite descubrir que la sociedad de los hombres está dividida en dos clases. La clase que posee el instrumento de producción se conoce ya necesariamente a sí misma, tiene conciencia, aunque sea confusa y fragmentaria, de su potencia y de su misión. Tiene fines individuales y los realiza a través de su organización, fríamente, objetivamente, sin preocuparse de si su camino está empedrado con cuerpos extenuados por el hambre o con los cadáveres de los campos de batalla.

La comprensión de la real causalidad histórica tiene valor de revelación para la otra clase, se convierte en principio de orden para el ilimitado rebaño sin pastor. La grey consigue conciencia de sí misma, de la tarea que tiene que realizar actualmente para que la otra clase se afirme, toma conciencia de que sus fines individuales quedarán en mera arbitrariedad, en pura palabra, en veleidad vacía y enfática mientras no disponga de los instrumentos, mientras la veleidad no se convierta en voluntad.

¿Voluntarismo? Esa palabra no significa nada, o se utiliza en el sentido de arbitrariedad. Desde el punto de vista marxista, voluntad significa conciencia de la finalidad, lo cual quiere decir, a su vez, noción exacta de la potencia que se tiene y de los medios para expresarla en la acción. Significa, por tanto, en primer lugar, distinción, identificación de la clase, vida política independiente de la de la otra clase, organización compacta y disciplinada a los fines específicos propios, sin desviaciones ni vacilaciones. Significa impulso rectilíneo hasta el objetivo máximo, sin excursiones por los verdes prados de la cordial fraternidad, enternecidos por las verdes hierbecillas y por las blandas declaraciones de estima y amor.

Pero la expresión «desde el punto de vista marxista» era superflua, y hasta puede producir equívocos e inundaciones fatuamente palabreras. Marxistas, desde un punto de vista marxista…: todas expresiones desgastadas como monedas que hubieran pasado por demasiadas manos.

Carlos Marx es para nosotros maestro de vida espiritual y moral, no pastor con báculo. Es estimulador de las perezas mentales, es el que despierta las buenas energías dormidas que hay que despertar para la buena batalla. Es un ejemplo de trabajo intenso y tenaz para conseguir la clara honradez de las ideas, la sólida cultura necesaria para no hablar vacuamente de abstracciones. Es bloque monolítico de humanidad que sabe y piensa, que no se contempla la lengua al hablar, ni se pone la mano en el corazón para sentir, sino que construye silogismos de hierro que aferran la realidad en su esencia y la dominan, que penetran en los cerebros, disuelven las sedimentaciones del prejuicio y la idea fija y robustecen el carácter moral.

Carlos Marx no es para nosotros ni el infante que gime en la cuna ni el barbudo terror de los sacristanes. No es ninguno de los episodios anecdóticos de su biografía, ningún gesto brillante o grosero de su exterior animalidad humana. Es un vasto y sereno cerebro que piensa, un momento singular de la laboriosa, secular, búsqueda que realiza la humanidad por conseguir conciencia de su ser y su cambio, para captar el ritmo misterioso de la historia y disipar su misterio, para ser más fuerte en el pensar y en el hacer. Es una parte necesaria e integrante de nuestro espíritu, que no sería lo que es si Marx no hubiera vivido, pensado, arrancado chispas de luz con el choque de sus pasiones y de sus ideas, de sus miserias y de sus ideales.

Glorificando a Carlos Marx en el centenario de su nacimiento, el proletariado internacional se glorifica a sí mismo, glorifica su fuerza consciente, el dinamismo de su agresividad conquistadora que va desquiciando el dominio del privilegio y se prepara para la lucha final que coronará todos los esfuerzos y todos los sacrificios.

(Publicado en Italia el 4 de mayo de 1918 en el periódico EL GRITO DEL PUEBLO)

El proceso hacia este 8 de marzo estuvo marcado por la organización de por un lado la movilización o marcha que hace algunos años se realiza; por otro la organización del Paro Internacional de Mujeres, una propuesta que desde la articulación internacional trabajó para aterrizar en varios países y contextos de formas muy diferentes.

El aterrizaje o traducción entre diversas orientaciones de los feminismos y el campo político local y global donde ellos se mueven, signó este día-acontecimiento que al crecer, hace leudar su potencialidad política y por ende multiplica con o sin quererlo las tensiones y debates que toda interna y externa de y entre organizaciones (que piensan diferente pero quieren hacer juntas) genera.

Como en todo proceso político – y artístico y afectivo – a veces el tiempo de llegar a es mucho más fundamental y potente que el instante en sí en que se llega. En este sentido y aunque fue políticamente tensa y disputada, la previa del 8M puso a discutirse temas fundamentales para el feminismo, sus aliadxs y sus contrarios. Temas que si por momentos fueron confundidos con banalidades organizativas, tocaban en la profundidad de la marea y su contra ola. De “no seas tan sensible” está hecho el ocultamiento de que en las microdecisiones también se juegan cosas grandes y fuertes para la vida de las mujeres. Y de todxs.

Si era una marcha de mujeres o de cualquiera que se llamara feminista; si era una marcha feminista o una de mujeres; si una marcha expresa la adhesión a una causa o la visibilidad del sujeto afectado por la causa que se defiende; si una marcha es la expresión de una demanda o un acontecimiento que en sí mismo ya está haciendo. Que si el paro es de todas o se suman hombres a las mujeres; que si organizaciones mixtas se suman o adhieren por fuera sus mujeres; que si la marcha debe ser convocada por organizaciones feministas o si convocan y organizan organizaciones de mujeres atravesadas por el tema; que si estrados con proclama o abrazos con lecturas colectivas; que si pedir al estado o fortalecer las redes autónomas de y entre mujeres.

Estas “minucias”, no lo son. En las discusiones sobre como movilizarnos en el 8M se abrieron y condensaron problemas fundamentales para el movimiento. Problemas de esos a habitar y no tanto a resolver apresuradamente. Mejores o peores tramitados, con o sin violencias, la organización de este 8M propuso y logró problematizar el modo de adherir de los hombres pidiéndoles no solo su apoyo sino que se pusieran a pensar su lugar en este proceso de transformación y movimiento. Logró problematizar que la dimensión económica del feminismo no es nada secundaria y que la opresión a las mujeres no sólo es afectiva y corporal sino que ella habilita y sostiene estructuras capitalistas que nos enseñaron a pensar “por fuera”. Logró despertarnos la mañana del 8M para mirar las relaciones que nos hacen bien o nos hacen mierda, para abrazar a las amigas, para abrazar desconocidas, para abrazar y también saber soltar (y que nos suelten) a los hombres que amamos.

El paro y la propuesta de que fuera solo de mujeres puso de manifiesto que cuando las mujeres nos retiramos para parar activamente, hay todo un sistema de división del trabajo que tambalea y afecta a mucho más que la rama productiva en la que nos desempeñemos; puso de manifiesto que no todas las mujeres en lucha son asalariadas o tienen vagina; puso de manifiesto todas las tareas que hace la mujer y que sostienen. Lo evidenciaron cuestiones tan simples como que si solo paraban mujeres surgían una infinidad de problemas y labores que quedaban desatendidas (y que a menudo no son remuneradas ni reconocidas). Que si paraban hombres y mujeres las mujeres quedaban igual a cargo de los hijos. Que si parábamos solas las mujeres que podíamos parar 24hs sin darse posibilidades de otras formas de ser parte, estaban quedando afuera un grupo gigante de mujeres. Que las clases sociales que habitamos no son un aspecto menor de cómo sufrimos el machismo y como participamos del movimiento. Parar activamente y como se pudiera fue la consigna y muchas muchisimas hicimos el máximo esfuerzo por visibilizar nuestra presencia ausentándonos (por las ausentes y por las que no podían hacerlo).

Se puso al ego de los varones a ocuparse de las tareas que hacemos nosotras todo el tiempo y no les gustó. Se les pidió silencio – y esta vez no no su voz fuerte diciendo que nos apoyan -, y no les gustó. Y a algunas mujeres tampoco les/nos gustó (si es que vale reconocer que existimos en subjetividad escindida en relación a algunos temas). Pero el hecho es que hacerlo abrió preguntas y pensamientos que justifican el desconfort. Nosotras nos bancamos tanta mierda y no hay espacios de discusión donde se nos pregunte si estamos de acuerdo. Generar espacios de preguntarnos qué queremos entre nosotras. Entre nosotras y antes – o aparte – de que vengan a ofrecernos soluciones que ya vimos que no, o la alternativa de una tibia inclusión en la agenda de derechos.

Es así que a medida que el movimiento crece se pone también en cuestión la relación entre mujeres de diferentes clases sociales, diferentes modos de entender y vivir ser mujeres, diferentes opresiones y privilegios que pueden ser reciclados para alimentar la lucha de las más débiles. La vanguardia del movimiento la tiene clara y propone consignas pensadas y fuertes pero tiene simultáneamente a su alcance hacer entrar a la ronda a muchas otras mujeres. ¿Cómo? Es quizás la pregunta del momento. Una pregunta a responder en la acción.

En la marcha los contingentes de las agrupaciones – esas que a veces parecen delimitadas  y separadas por cercos infranqueables – se disuelven un poco en la acción y con ellas las distancias ideológicas. Los varones se corren y en su lugar entran muchas mujeres, adolescentes, pibas que llegan con toda la fuerza, mujeres viejas viejas o quizás nuevas en el movimiento. “Quien no se mueve no siente las cadenas” dicen algunas. Enormes círculos se arman y detienen la procesión lineal frontal de la marcha. Círculos de mujeres se abren; nos miramos y es importante que bastemos nosotras para sentirnos fuertes. La casi ausencia de varones nos invita a mirarnos y reconocernos, a practicar una libertad que sabemos que cambia cuando hay hombres en la vuelta, cuando los cuerpos están si o si un poco más a la defensiva, quizás tirarte en la calle o abrazarse masivamente es algo que nuestros cuerpos asustados por los machos aprendieron a evitar como forma de autodefensa. Acá podemos hacerlo.

Diferentes colectivos participan desde diferentes ánimos y propuestas. Una batucada furiosa que encabeza; la danza poniendo cuerpo e invitando a la improvisación y la escucha como armas; cientos de mujeres siguiendo a los tambores tocados por ellas; ir al suelo para pulsar juntas; saber que no da para agredir a gente que viene a provocar, a traernos su violencia “pro-vida” que nos da más asco y pena que rabia con su intervención en nuestra marcha. Caminar, cantar y atacar a una iglesia, rabiosa pero coloridamente – disculpen pero a nuestro estilo les decimos que se pueden ir con sus cruces a la mierda. La apostasía es nuestra vocación porque queremos abortar una y mil veces a su moral represora de nuestros cuerpos. Aunque seamos nosotras a las que siempre nos toca sangrar. Más atrás organizaciones mixtas. Las mujeres somos protagonistas por una vez y se siente bien. La policía brilla por su ausencia. La organización Iglesia Misión Vida brilla por su presencia como brillan los soretes al sol. La organización le ha pagado a unxs pibxs re jóvenes y pobres para sostener sus carteles recién ploteados que dicen “femenina si, feminista no” con colores rosado y celeste de bebé. Están ahí estáticxs, plantados en una de las aceras del 18 de Julio invadiendo desde la lateral nuestro avance y movimiento, protestando porque hacemos con nuestros cuerpos lo que queremos. Están ahí y con los carteles se tapan la cara porque saben que aunque dicen que están para defender la vida, la vida está de nuestro lado. Les cantamos “mujer escucha únete a la lucha” y hacemos un abrazo de conjura y complicidad, de barrer el odio y plantarnos desde el canto y desde el grito ante esta violencia. La resistencia del presente es también ancestral y cuando cantamos abrazadas y por nosotras, son nuestras abuelas las que también se liberan. Aceptamos ese legado y lo transformamos: nos reconocemos mujeres pero para eso parimos con dolor y con alegría otra forma de ser mujeres. Eso o encontrarle otra palabra. Eso e inventarnos otros cuerpos.

El feminismo nos excede a todas – personas, organizaciones, instituciones, leyes –  pero también es cierto que no existe sin cada una y su fuerza. Para que cuando toquen a una nos toquen a todas es necesario sentir ese todas en nuestro cuerpo. Y ese todas vibra en mi cuando estoy junto a otras muchas. Ese todas enciende fuegos. Ese todas está en la calle este 8M.

En llamas

Se va a acabar esa costumbre de matar. Se va a caer el patriarcado. Y este paro empieza acabando.  El 8M arranca con un orgasmo: como subrayando la idea que también aplicamos al sexo de que no todo es por y termina en el orgasmo o acabada final, tan autocelebrada por el macho. A una orgasmatón de las 0hs convocaban las compañeras argentinas de Ni Una Menos. Empezar acabando y convertir el 8 de marzo en un acontecimiento que sucede por fuera de las casas y los regalos de felicitación. Este día que ha pasado cada vez más de ser un “dia de” a ser un día de lucha, en que los cuerpos de mujeres aparecen y se movilizan juntas en el espacio público. El orgasmo como comienzo. El orgasmo como momento climático pero sin embargo no el único; como momento íntimo pero no secreto ni tabú. El orgasmo – sexual o político – pensado sí como momento climático pero también pensado desde la sexualidad femenina en la que puede funcionar más como una activación del inicio del deseo que como instante final. Repensamos el orgasmo y la lucha desde nuestros cuerpos: de orgasmos múltiples, de sexo expandido desde el clítoris a toda nuestra piel y desde los bordes del cuerpo a un abrazo colectivo que abraza también a los dolores que se nos han metido en el cuerpo.

No solo nos enseñaron muy poco a tocarnos sino que nos enseñaron a tocarnos poco. En la activación de nuestro contacto y nuestro abrazo se deshacen cadenas de dependencia patriarcal. Se deshacen cadenas. Lloro al abrazar y tristeza y felicidad se vuelven indiscernibles.

El paro lo hace cada una como puede, desde las casas o desde la calle, vistiendo un lazo violeta o pidiendo a la pareja que hoy encare él las tareas, se hace discutiendo en grupos de whatsapp, infiltrando la pregunta allí donde nunca se toca el tema; esos espacios que les encantaría poder afirmar que feminismo es para las mujeres locas o en todo caso para esos lugares pretendidamente lejanos donde habitan monstruos violadores de esos que salen en canal 4.

A la marcha se viene a caminar pero también a cantar, a gritar, a llorar, a inventarnos la potencia, a ver como otras gritan basta y muestran las tetas, a sumarse a algo que no sabías, a proponer un canto, a seguir y ser seguida hasta no saber quién guía. Esta marcha se hace experimentando y sin miedo a salir de las fórmulas militantes exitosas o inteligibles. Se hace desde un deseo de probar qué sucede si……

Política experimento. Política inventándonos en el proceso. Movilización no como demostración sino como acto creativo. Manifestación como acto performativo. No estamos ahí para ser, sino que estamos ahí siendo, resistiendo. “Cambiamos el mundo sin pedir permiso” dice una pancarta.

La política es experimentación e importa mucho más lo que sucede y se experimenta ahí siendo que las lecturas de la marcha como discurso, como plataforma de reivindicaciones, como número final de asistentes dicho por el noticiero. Esta marcha tiene un cimiento ideológico pero es en sí misma acontecimiento. La marcha habla y dice que estamos juntas y somos fuertes y podemos estarlo aún más. La marcha dice que la mayor potencia política es la que se mueve hacia cosas que queremos y que nos liberan. Dice que aunque el feminismo crece (o no) en los espacios de nuestras decisiones más individuales, íntimas y cotidianas, es sumandonos, socializando nuestra fuerza y también nuestras miserias, que podemos convertir la rabia en grito y el dolor en movimiento.

Este 8M no lo marché con mis cómplices ideológicas más cercanas sino con mis compañeras de trabajo, de arte y de otras luchas que aunque no se llaman “feministas” tienen todo que ver con eso. La danza siempre es la conexión con una dimensión existencial atravesada de goce pero también de dolores, de violencia, de todo eso que vive en la palabra “cuerpo”.  El feminismo y la danza tienen en común que afectan profundamente nuestra percepción de una misma y del mundo. El cuerpo se vuelve un entramado de sensaciones y de afectos. Marcho ahí, entre cuerpos que veo moverse habitualmente, pero que hoy lo hacen por nosotras y por las que no están. Marchamos por Olga de 44 años que tan solo unas horas antes murió asesinada por su pareja de quien intentaba protegerse (con ayuda de un policía que murió también de bolea). Nos duele este “otra vez”, esta nueva muerte. Marchamos porque horas después de terminar la marcha nos enteramos de otro feminicidio: Mirtha Lorena de Rocha, embarazada de 5 meses, asesinada por su ex pareja sobre el que regía una orden de restricción de acercamiento por 120 días. Marchamos y duele constatar lo difícil que es detener esto y lo importante que es seguir y profundizar esta lucha. Para exorcizar la tristeza y sentir que sí podemos marchamos y bailamos con más fuerza que nunca. Bailamos como bailaría Olga o Mirtha si ahora pudieran vernos o sumarse. Marchamos y en nuestros cuerpos viven las mujeres que perdimos y que conocíamos (Nadia Vera sos mi compañera de luchas siempre) o no. Somos desconocidas pero enseguida nos reconocemos, nos encontrarnos con la mirada desde un canto que va tomando su ritmo y nos coreografía a todas. Decir que sí a una ronda que nace acá o allá, ser parte desde la acción y no solo desde el discurso. Dejarse afectar. Recibir el cansancio y aportar la fuerza que se tenga. Dejar llegar un cansancio físico que se va disipando a puro contagio de la fuerza de otras, que están ahí para sostener, para sostenernos.

Terminamos la marcha y mi cuerpo está (aunque sea por un rato) con más energía para correr y bailar que al principio. Y es que no estamos aquí solo para demostrar nuestras fuerzas e ideas o para hacer nuestros pedidos, o para llegar al final de la marcha y disiparnos tranquilamente. Estamos aquí para transformarnos en el encuentro, para ver qué nos pasa y qué nace de esta acción, que dice y hace mucho más que cualquier manifiesto.

Estamos empezando a acabar con el patriarcado y los machismos, pero sabemos que la transformación ya empezó, que no puede esperar a que termine de caer, que no puede esperar.

¿Qué subjetividad puede llevar adelante una revolución que sabe que implicará deshacer (para rehacer) parte de sí misma en el proceso?, o algo parecido me preguntaba hace un año en un artículo previo a ese 8M. Esa subjetividad la vi en la calle el jueves y no tiene cara individual ni nombre de agrupación, sino la forma de un abrazo que grita y que salta entrelazando; la temporalidad de un encuentro que dura unas cuadras pero te cambia para siempre; la expansión de una lucha que espera viva a ser activada en cada una de nuestras cuerpas. Y esa activación es únicamente colectiva. Esa activación empezó hace mucho y al mismo tiempo recién comienza.

Que alegría la de acabar empezando!

En Uruguay ya está convocada la próxima asamblea